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Só pagamento ambiental não levará desenvolvimento sustentável para Amazônia

Lilian Ferreira*

Do UOL, em Manaus

07/04/2014 06h00

A Amazônia tem a maior biodiversidade do mundo. Tem papel fundamental na manutenção do clima do planeta. Influencia diretamente as chuvas no Sul e Sudeste do país. A importância do bioma tanto para o Brasil quanto para o mundo é velha conhecida de todos, mas como desenvolver a floresta sem degradá-la? Este é o desafio da Rede de Soluções de Desenvolvimento Sustentável para a Amazônia (SDSN-Amazônia, na sigla em inglês), parte de uma iniciativa da ONU queirá estabelecer Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) para depois de 2015.

O Estado do Amazonas tem desde 2007 o Bolsa Floresta, uma iniciativa além do Bolsa Verde do governo federal, instituído em 2011. Ambos têm o objetivo de compensar monetariamente a população que vive na Amazônia para preservá-la. O programa estadual atende a mais de 35 mil índios e ribeirinhos em 15 Unidades de Conservação Estadual, já o federal oferece a bolsa para 40 mil famílias em 741 assentamentos e 63 Unidades de Conservação.

A Fundação Amazonas Sustentável (FAS), responsável pela implementação da Bolsa Floresta, fez uma pesquisa entre o final de 2010 e início de 2011, em três comunidades da Amazônia, que concluiu que não só o pagamento em moeda é reivindicado pelos moradores da floresta, o que eles apontam como a maior desafio é a falta de saúde e educação.

"Eu chego à minha casa na floresta com o dinheiro que recebo na cidade, 100 reais,  e não mexo na carteira. Tem açaí e peixe. Não passo fome. Temos que nos perguntar o que é pobreza", diz Manoel Cunha, tesoureiro do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS).

O extrativista diz que a Amazônia é vista de vários pontos de vista, alguns a veem como um local com matéria prima a ser explorada, outros como um santuário que não pode ser tocado. Mas, para ele, ela deve ser vista como um meio termo disso, é um meio para ser trabalhado, mas tem uma população que vive ali e precisa ter sua qualidade de vida melhorada. "Hoje a educação dada para nossa população é para ser empregado fora da floresta, temos que dar educação para melhorar a vida das pessoas aqui".

Para Virgilio Viana, superintendente geral da FAS, o desenvolvimento sustentável só virá com o empreendedorismo local. "Estamos em um rumo suicida chegando aos limites do planeta, então precisamos de inovação". Sua ideia é que tanto as ações da ONG nas comunidades quanto as soluções apontadas pela Rede funcionem como uma bússola para orientar nesta direção. Assim, os modelos devem preservar a Amazônia ligados à valorização da biodiversidade local.

Denise Hamú, coordenadora do Programa Ambiental das Nações Unidas (Pnuma) para o Brasil, explicita que o planeta todo reconhece a Amazônia como um local essencial para a manutenção do clima e biodiversidade global, com forte apoio da ONU para a preservação da floresta, mas que o Brasil é quem deve descobrir o seu modelo de desenvolvimento sustentável. "É um novo modelo para a Amazônia que deve ser geral, mas também funcionar para cada um".

"Há um motor econômico imenso desconhecido na floresta. É preciso pesquisar para saber o que existe ali, com o desenvolvimento de novas tecnologias baseadas na natureza", completa Emma Torres, conselheira sênior do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento na América Latina e Caribe.

A ideia é que a floresta é só um dos recursos locais, há peixes e novas tecnologias que podem ser agregadas para a geração de valor. A extração de castanha e borracha, por exemplo, evoluíram muito nos últimos anos. O conhecimento da variedade de materiais locais aliado a tecnologia moderna poderiam levar a Amazônia no caminho do desenvolvimento sustentável

"Temos o desafio de zerar o desmatamento da Amazônia, só a pecuária é responsável por 80% das áreas. E conseguimos provar nos últimos anos no Estado do Amazonas que é possível aumentar o desenvolvimento econômico com a diminuição do desmatamento",  conta Viana, que destaca que o maior desafio é trazer o desenvolvimento social para a região, com acesso à saúde e educação, por exemplo.

A ideia é compartilhada por Janine Mello, diretora de Programa do Ministério do Desenvolvimento Social e Luta contra a Fome no Brasil. "Um dos nossos desafios é a ampliação do acesso aos serviços na Amazônia". 

Migração por saúde

O UOL foi até a comunidade de Três Unidos, a 60 quilômetros de Manaus, para ver um dos Núcleos de Conservação e Sustentabilidade da ONG no rio Negro. E foi exatamente pela falta do acesso básico a estes serviços que o tuxaua Valdemir da Silva, líder local, migrou do interior da floresta Amazônica para uma região mais próxima à cidade (Manaus).

Ele conta que morava com a mulher, Diamantina  Cruz, e filhos em uma aldeia no interior do Amazonas, mas uma de suas filhas teve um problema dentário e morreu antes de conseguir chegar à Manaus para ter o atendimento médico. Por isso, mudou-se há 23 anos com a família para o local onde é a comunidade, que à época era somente um terreno de seu sogro. De barco, o local fica a 4 horas de Manaus.

Hoje, vivem na comunidade seus filhos e netos, num total de aproximadamente 70 pessoas. Há um posto de saúde no local, além de escola primaria e secundária para as crianças dali e de outras 15 comunidades no entorno.

*A jornalista viajou a convite da Fundação Amazonas Sustentável