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Cientistas buscam na Antártida a chave para o futuro da humanidade

Luis Andrés Henao e Seth Borenstein

Da Associated Press, na Antártida e nos EUA

22/02/2015 06h00

As chaves para responder às perguntas mais básicas da humanidade estão encerradas neste congelador continental do tamanho dos EUA mais a metade do Canadá: de onde viemos? Estamos sós no Universo? Qual é o destino de nosso planeta em aquecimento?

Os primeiros exploradores chegaram à Antártida há 194 anos, buscando riquezas do século 19 como peles e óleo de baleia e foca, tingindo com sangue as ondas do oceano. Desde então, o primeiro continente formado demonstrou ser uma arca de tesouros para os cientistas que tentam determinar tudo, desde a criação do cosmo até o quanto as águas se elevarão com o aquecimento global.

"É uma janela para o Universo e o tempo", disse a cientista Kelly Falkner, chefe do programa polar da Fundação Nacional para as Ciências dos EUA.

Durante cerca de 12 dias em janeiro, no meio do gelado verão antártico, a agência de notícias Associated Press acompanhou cientistas de diferentes áreas em busca de criaturas de forma alienígena, de pistas de contaminação presas no antigo gelo, restos do Big Bang, peculiaridades biológicas que pudessem conduzir potencialmente a melhores tratamentos médicos e, talvez o principal, sinais de um derretimento incontível. A travessia em um barco da marinha chilena ao largo das ilhas Shetland do Sul e da vulnerável península Antártica, que sai do continente como um dedo fraturado, foi de 1.340 quilômetros (833 milhas) e permitiu que a equipe da AP desse uma olhada em primeira mão neste continente vital.

A Antártida reúne imagens de montanhas silenciosas e brancas planícies, mas o mais frio, seco e remoto dos continentes não está adormecido. Cerca de 98% de sua superfície estão cobertos de gelo, o qual está em constante movimento. Sendo um vulcão ativo, a ilha Decepção é um cadinho de condições extremas. Há lugares onde o mar ferve a 100 graus centígrados, enquanto em outros pode estar abaixo de 0 grau. Embora o sol raramente brilhe nos escuros invernos antárticos, parece que a noite nunca chega nos dias de verão.

Os turistas vêm à Antártida por sua beleza e distância, mas para os cientistas tudo é trabalho. O que encontrarem poderá afetar a vida de pessoas a milhares de quilômetros de distância. Se os especialistas estiverem certos e a plataforma de gelo da Antártida ocidental já começou a derreter de maneira irreversível, o que ocorrerá aqui determinará se cidades como Miami, Nova York, Nova Orleans, Guangzhou, Mumbai, Londres e Osaka terão de combater de forma regular as inundações causadas pelo aumento do nível dos mares.

A Antártida "é grande e está mudando. Isso afeta o resto do planeta, e não podemos nos dar o luxo de fazer vista grossa ao que acontece lá", disse David Vaughan, diretor de ciência do Centro de Pesquisas da Antártida do Reino Unido.

Com frequência os cientistas encontram algo diferente do que procuravam. No ano passado, pesquisadores calcularam que o gelo no lado oeste do continente estava derretendo mais rápido que o previsto. No mês passado, cientistas que realizavam pesquisa geológica vital desse derretimento observavam 800 metros sob o gelo, na mais profunda escuridão, e tiveram uma surpresa: peixes de 15 centímetros de comprimento e criaturas semelhantes a camarões nadavam ao lado de suas câmeras.

Os geólogos estão fascinados pelos segredos da Antártida. Em uma recente expedição científica comandada pelo Instituto Antártico Chileno, Richard Spikings, um geólogo pesquisador da Universidade de Genebra, na Suíça, usou um enorme martelo para coletar amostras de rochas das ilhas Shetland do Sul e da península Antártica. Curiosos membros de uma colônia de pinguins no cabo Leogoupi observavam enquanto ele golpeava pedaços de granito preto e diorita que sobressaíam do mar meridional. Perto do fim da viagem de duas semanas, seus colegas começaram a chamá-lo de "Thor", em tom de brincadeira.

"Para compreender muitos aspectos da diversidade de animais e plantas, é importante entender quando os continentes se separaram", disse Spikings. "Assim, também estamos aprendendo sobre a verdadeira idade da Terra e sobre como os continentes estavam configurados há um bilhão de anos, há 500 milhões de anos, há 300 milhões de anos", comentou.

Ele acrescentou que essa compreensão o ajudará a entender o papel fundamental da Antártida no vaivém dos antigos supercontinentes. Com nomes como Rodinia, Gondwana e Pangea, os cientistas acreditam que eram enormes massas de terra que fizeram parte da história do planeta e que se uniam periodicamente com o movimento das placas.

Como não existe indústria local, qualquer rastro de contaminação preso no gelo e neve antigos provém de substâncias químicas que vieram de longe, como o chumbo que era encontrado no gelo até que foi eliminado da gasolina, ou os níveis de radiação de testes nucleares superficiais realizados a milhares de quilômetros e há muitos anos pelos EUA e a União Soviética, comentou Vaughan.

O gelo indica como os níveis de dióxido de carbono -- o gás que retém o calor na atmosfera -- variaram ao longo de centenas de milhares de anos.

É também o lugar onde um buraco na camada de ozônio, causado por gases refrigerantes e aerossóis feitos pelo homem, estaciona periodicamente por alguns meses e causa problemas. Ele surge quando a luz do sol volta à Antártida em agosto, provocando uma reação química que destrói as moléculas de ozônio e causa um buraco que alcança seu tamanho máximo em setembro. Ele se fecha com o clima mais quente em novembro.

Explorar a Antártida é algo que o chileno Alejo Contreras, 53 anos, começou a sonhar durante sua juventude, depois de ler o diário de Robert Falcon sobre sua travessia ao Polo Sul. Quando Contreras finalmente chegou ao Polo Sul, em 1988, deixou de fazer a barba, que agora alcança seu peito, e anda sem rumo fixo, como suas explorações.

A Antártida é "como o congelador do planeta", disse Contreras, que comandou 14 expedições ao continente. "E nenhum de nós se atreveria a sujar o gelo."

Devido à natureza virgem do extremo sul do mundo, quando um meteorito cai ali permanece intacto. Assim, os pesquisadores encontram mais meteoritos, muitas vezes do vizinho Marte, incluindo um descoberto há quase 20 anos que levou os cientistas inicialmente a pensar, de maneira incorreta, que haviam encontrado provas de que já houve vida em Marte. Este é um lugar com paisagens tiradas de um filme de ficção científica. A Nasa utiliza a localização remota do continente para estudar o que as pessoas teriam de enfrentar se visitassem Marte. O ar seco também é perfeito para que os astrônomos espiem o espaço profundo e olhem para o passado.

Durante uma viagem recente à ilha Decepção, Peter Convey, um ecologista do Centro de Pesquisas da Antártida do Reino Unido que visitou o continente durante 25 anos, suportou forte chuva, temperaturas congelantes e ventos de mais de 37 quilômetros por hora (20 nós) para coletar amostras de musgos esponjosos de cor verde e café, que crescem nas cinzas das montanhas de rocha negra da ilha vulcânica. Ele procurava chaves em sua genética para determinar o quanto a espécie havia evoluído na Antártida, isolada de outros continentes.

"Tive sorte e fui até a metade do continente, assim estive isolado do ser humano mais próximo por 400 ou 500 quilômetros", disse Convey. Nesse isolamento existem formas de vida raras, aumentando a esperança de que possa haver vida em outros ambientes extremos como Marte, o que inclusive há na atualidade, escondida sob o gelo da lua de Júpiter, Europa. "Este é um dos lugares mais extremos em que poderíamos esperar encontrar vida. E existe", indicou Ross Powell, um cientista da Universidade Northern Illinois, que em janeiro utilizou um submarino com controle remoto sob o gelo em uma parte diferente do continente, para decifrar o derretimento, quando viu peixes e crustáceos nadando ali.

Cerca de 4 mil cientistas chegam à Antártida para pesquisas no verão e cerca de 1 mil ficam para o duro inverno. Também há cerca de 1 mil pessoas alheias à ciência -- cozinheiros, motoristas, mecânicos, zeladores e o sacerdote da Igreja Ortodoxa mais meridional do mundo, situada no alto de uma colina rochosa na estação russa Bellinghausen. Mas a igreja na colina é uma exceção, um tênue raio de luz do mundo que existe ao norte. Para os cientistas, o que torna este lugar especial é o que há embaixo, que oferece uma janela para o passado e o futuro da humanidade.

"A Antártida, em muitos sentidos, é como outro planeta", disse José Retamales, diretor do Instituto Antártico Chileno, a bordo do barco da marinha que navega por Decepção e outras ilhas Shetland do Sul. "É um mundo completamente diferente."