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Animais extintos fazem falta na dispersão de sementes

Francisco Bicudo

Da Revista Pesquisa Fapesp

08/06/2015 06h00

Preguiças-gigantes, mastodontes e cavalos selvagens povoavam a paisagem na América do Sul até cerca de 10 mil anos atrás. A extinção desses mamíferos que podiam pesar toneladas, conhecidos como a megafauna do Pleistoceno, pode ter provocado impactos consideráveis na vegetação do Pantanal brasileiro, de acordo com artigo publicado em agosto de 2014 na revista "Oecologia".

A flora que dependia deles como dispersores de sementes, embora não tenha sumido (há outros dispersores, como o homem), pode ter se tornado menos abundante que no passado, ocupando áreas mais restritas. “Nossa proposta foi abrir espaço para uma abordagem ecológica, capaz de observar relações específicas estabelecidas entre os bichos e as plantas, para entender o que aconteceu quando os gigantes saíram de cena”, explica Mathias Pires, do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP).

A inspiração foi o trabalho da brasileira Camila Donatti, feito durante o doutorado na universidade norte-americana Stanford, em parceria com o grupo do ecólogo Mauro Galetti, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, e publicado em 2011 na revista "Ecology Letters".

Ela considerou animais do Pantanal – de peixes a mamíferos – e caracterizou a dispersão de sementes realizada por eles. “A abordagem de Camila permite simplificar as interações entre espécies em um dado local. Usando essa abordagem, onde representamos espécies por pontos e suas interações por linhas, é possível extrair informações sobre como os organismos estão interligados”, explica Pires. “Ou seja, sabe-se que um animal A consome os frutos e dispersa as sementes das plantas 1, 2 e 3, mas a espécie B só consegue dispersar a planta 1, e ainda um C espalha apenas 2 e 3.”

No doutorado, orientado por Paulo Guimarães, Pires encarou o desafio de investigar como essa mesma rede de interações seria no passado. Baseado em informações dos fósseis que ocorriam na região, inseriu junto aos animais atuais do Pantanal cinco espécies da megafauna que habitaram o bioma em tempos remotos. Entre essas espécies estavam preguiças-gigantes, mastodontes e um parente das lhamas atuais.

O pesquisador lembra que esses bichões são descritos na literatura científica como bons dispersores de plantas, graças a pelo menos dois aspectos singulares: por serem muito grandes e incluírem frutos diversos na dieta, eles acabam ingerindo sementes grandes que animais menores não conseguem dispersar. Além disso, eles conseguiriam percorrer longas distâncias e, como digeriam devagar, acabavam fazendo com que a germinação acontecesse em locais distantes da planta-mãe.

No que diz respeito às plantas, Pires relacionou 10 espécies, sobretudo aquelas cujas sementes até hoje são espalhadas por mamíferos, como pequis, jatobás e algumas palmeiras. Com as devidas substituições e adaptações, ele recorreu então às simulações, modelos matemáticos, computadores e estatísticas. “A ideia era observar a rede atual e apurar como poderia ter sido no passado.”

Ontem e hoje

Pires destaca outra conclusão do estudo: nas redes que reconstruiu, os papéis desempenhados por animais da megafauna na dispersão de sementes eram bem definidos e marcados, ou seja, os grandes bichos espalhavam as sementes maiores e os animais menores, as pequenas sementes. Hoje, em sintonia com o que sugere o estudo liderado por Camila, essa divisão já não existe. “Sem os mastodontes e as preguiças-gigantes, os frutos maiores perderam seus dispersores principais. Antas, quatis e bugios, por exemplo, teriam um papel secundário na disseminação de sementes do Pleistoceno, mas hoje são agentes fundamentais para que as sementes grandes sejam espalhadas”, explica.

O retorno ao passado indica que a ausência da megafauna pode ter provocado impactos consideráveis na vegetação do Pantanal, como já mostrou um trabalho coordenado por Galetti. O artigo, publicado na "Science" em 2013, sugere que em regiões da mata atlântica, onde aves de maior porte foram extintas há mais de 50 anos, populações de palmeiras produzem somente frutos pequenos; em contrapartida, em regiões mais preservadas e com aves maiores, os frutos continuam com tamanhos variados.

“O mesmo pode ter ocorrido após a extinção dos grandes mamíferos do passado. Além disso, plantas que perdem seus dispersores acabam confinadas a regiões menores e a perda de dispersores dificulta o fluxo gênico entre populações. No longo prazo, isso pode reduzir a diversidade genética das populações e diminuir sua resistência a pragas, por exemplo”, acrescenta.

Para ele, essa constatação sugere que é preciso avaliar, com responsabilidade, a introdução no Pantanal de outros mamíferos que façam as vezes de dispersores, como cavalos e porcos. “Talvez algumas dessas espécies possam até mesmo ajudar a reparar as perdas”, analisa. Pires faz mais um alerta: seu trabalho permite refletir também sobre a atual crise de biodiversidade. Segundo ele, é preciso entender as interações ecológicas para buscar amenizar as consequências da eventual perda de espécies de grande porte.

Disposto a acrescentar outras informações a esse cenário, o biólogo pretende agora estudar comparativamente outros biomas, para observar os efeitos da extinção de espécies em cada um deles. “Será que a ausência da anta na mata atlântica tem os mesmos efeitos que a falta desse animal no cerrado?”, questiona. Ele deseja ainda comparar, do ponto de vista quantitativo, a eficiência de algumas espécies de animais na tarefa de dispersão de sementes, olhando novamente para o passado. “Desenvolvemos modelos matemáticos para observar quão importante deveria ser uma preguiça-gigante nesse trabalho de levar sementes a grandes distâncias, quando comparada com a anta ou um porco-do-mato de hoje, por exemplo”, finaliza o pesquisador.