Acampamento quase exclusivo permite que você conviva com ursos no Alasca
O Parque Nacional de Katmai se estende por 1,61 milhões de hectares no sul do Alasca – mas então por que permite que apenas 60 pessoas acampem por lá por noite, limite esse que causa um verdadeiro frenesi on-line em janeiro, na hora de fazer as reservas? A resposta é uma de suas maiores atrações e a razão de ter alcançado fama nacional: os ursos. Um monte deles – cerca de 2.200 pela última contagem do Serviço Nacional de Parques, com 60 e poucos sendo frequentadores assíduos do Brooks Camp todo o verão.
Em teoria, você pode montar sua barraca em qualquer lugar em Katmai, mas o espaço é protegido por uma cerca elétrica e tem atividade constante, o que faz com que seja mais difícil dar de cara com um deles tão perto a ponto de perder o sono.
No início de 2014, quando completava um ano como moradora permanente do Alasca, comecei a pensar em passar algum tempo por lá, há tempos considerado o melhor ponto de observação dos ursos. As vagas para julho – alta temporada, quando é possível ver os animais pescando, estabelecendo a hierarquia local e praticando sua versão de azaração (os machos podem ser terríveis) – podem ser reservadas até cinco de janeiro e desaparecem rapidinho. Por isso, no início de maio, tendo perdido a oportunidade, já tinha desistido completamente da ideia, resignando-me a passar outra temporada assistindo aos bichos via webcam.
Em funcionamento desde julho de 2012, as câmeras de Katmai, instaladas pelo Explore.org, (há quatro só nas áreas em que os ursos pescam) transformaram os animais em celebridades das redes sociais e, para a maioria de seus seguidores fiéis, o maior incentivo para embarcar em um hidroavião até Brooks, para onde dezenas voltam todo verão, em busca do salmão no rio de mesmo nome. (Volume aqui é a palavra de ordem: até novembro, quando começam a se preparar para o longo período de hibernação, os machos chegam a pesar 450 kg ou mais.)
A linha do tempo do meu perfil no Facebook há semanas estava lotada de notícias sobre os animais: eram amigos de todas as partes do país querendo saber se o 32, também conhecido como Chunk, tinha melhorado sua técnica de pescaria ou se o 814, ou Lurch, ia ficar mais calminho este ano ou continuar a intimidar os outros e espantá-los de seus pontos de pesca favoritos. Sem contar que as imagens em tempo real interromperam várias horas do meu trabalho também.
Acampando no Parque Nacional Denali, um conhecido, do nada, me fez uma oferta quase milagrosa: "Fiz duas reservas para Brooks em julho, mas a gente não vai poder ir. Está a fim? Acho que foi uns US$50". Convidei minha amiga Tara Stevens, pescadora experiente de Anchorage, para me fazer companhia, e lá fomos nós. A experiência virtual finalmente se tornaria realidade.
Depois do voo pela Alaska Airlines de Anchorage para a cidadezinha de King Salmon, pegamos nossas malas lotadas de todo tipo de roupa grossa, proteção contra chuva, equipamento para acampar e cozinhar e comida e seguimos para o escritório da Katmai Air Service, para pegar o voo para Brooks, situado na confluência do Lago Naknek com o rio Brooks. Depois da pesagem – usando o hidroavião no Alaska, você se acostuma com o pessoal pedindo para que suba na balança – não demorou para nos vermos subindo, em direção ao céu, em um de Havilland Otter azul e branco de 1962, seu único motor, barulhento, impedindo qualquer conversa.
Havia grossas nuvens e até as áreas mais verdes lá embaixo pareciam meio cinzentas. As cores surgiam furtivas, aqui e ali, nos telhados verdes de um pequeno núcleo de construções ou no rio azul-esverdeado pálido que corria pela paisagem melancólica.
Vinte minutos depois, pousamos no Lago Naknek, com o avião sacolejando na flutuação rumo à praia coberta de pedaços de madeira e aos funcionários do acampamento que nos aguardavam. (Brooks também oferece chalés administrados por uma concessionária, a Katmailand; são espartanos e caros, mas uma boa opção para quem não gosta de acampar.) Todo mundo que estava no avião, que leva até dez passageiros, estava empolgado no início de nossa aventura de verão e também nos primeiros momentos no acampamento.
Fomos dirigidos ao centro de visitantes para conhecer o "Código de Etiqueta da Escola de Ursos de Brooks", destinado a manter a coexistência pacífica entre os visitantes e os animais. A orientação começou com um filme de dez minutos. As roupas e os cabelos eram deliciosamente ultrapassados, mas as instruções ainda valiam: mantenha-se a 50 metros de todos os ursos, 100 metros se for uma fêmea com filhote. Se ele se aproximar, afaste-se. Nas caminhadas, fique alerta e faça barulho – falando, batendo palmas – para que os ursos percebam sua presença. Se um deles chegar muito perto, não corra – ele vai pensar que você é presa. Fale em tom firme, mas calmo e só então comece a andar devagar. Deixe o urso se movimentar primeiro.
Depois do vídeo, um guarda reforçou os pontos mais importantes, distribuiu os brochinhos que mostravam que tínhamos feito o "curso" e nos dispensou.
Colocamos nossas coisas em um carrinho e seguimos uma trilha direto para o acampamento – que, embora estivesse a pouco mais de 500 metros da sede, deu a impressão de ser muito mais longa. Um bosque cerrado se encontrava à esquerda e, à direita, um trecho de árvores mais esparsas bloqueava a vista da praia onde, como foi tão enfatizado, os ursos gostam de passear.
"Como é que ninguém foi atacado aqui?", perguntou Tara. Continuamos conversando em um tom um pouquinho mais alto que o normal. Pode ser até que tenhamos cantado.
Não demorou muito e nos vimos passando pela cerca elétrica que parecia não ter cacife para afastar nem um gatinho. A tentação de pôr a mão nela era quase irresistível, mas decidi confiar no serviço do parque e me poupar um choque.
Barraca montada, pegamos a trilha de volta para jantar na sede.
Só que assim que chegamos lá: "Urso no acampamento! Urso no acampamento!"
O grito do guarda veio do lado de fora do edifício principal, alertando as pessoas para ficarem lá dentro ou entrarem. As mesas esvaziaram, já que todo mundo correu para as janelas. Dois ursos marrons, com as longas garras expostas, zanzavam pela área, deram umas voltas a alguns metros da varanda e foram embora. Eu já tinha ficado várias vezes em regiões cheias de ursos, mas a aparição da dupla deixou bem claro que ali quem mandava eram eles. E fiquei ainda mais empolgada por saber que teria duas noites para explorar a área.
Para se chegar ao mirante em Brooks Falls é preciso atravessar uma ponte de madeira sobre o rio Brooks. Com várias horas de luz natural pela frente, o rio continuava coalhado de pescadores de botas, jogando seus anzóis. Perto dali, um urso se espalhava no chão. Fiquei imaginando se teria coragem de dividir a água com os animais.
A Trilha de Brooks Falls tem 2 km e atravessa uma floresta de abetos e bétulas e parece inteirinha coberta de musgo verde e liquens coloridos. Ao longo do caminho cruzei com um monte de gente que vinha voltando da excursão. Conforme o hidroavião foi embora, Brooks começou a parecer mais isolado e a fazer menos parte da temporada turística de verão.
Os animais, obviamente, não se escondem. Percorremos o passadiço, atravessamos vários portões "à prova de urso" rumo às cachoeiras, o local mais disputado para vê-los, e encontramos vários que não estavam nem aí para as dezenas de pessoas que observavam todos os seus movimentos da plataforma e outros tantos milhares, que os viam através das câmeras.
E vê-los nunca se torna tedioso: é incrível acompanhar os grandalhões pulando (quase sempre sem sucesso) para pegar um salmão ou na parte das "banheiras de água quente", tranquilos, com a água à sua volta, com o mesmo olhar satisfeito de um cachorro cochilando ao sol.
O pessoal bateu palmas e deu vivas quando um deles pegava um peixe e até quando um salmão conseguiu pular na correnteza. Foi um sacrifício e tanto. O urso 47, conhecido pela pelagem avermelhada nos ombros, uma falha nos pelos da testa e o focinho curto, não demorou a aparecer só para expulsar o coitado que estava na banheira, espantar uns outros que estavam pescando e assumir o controle.
No caminho de volta ao acampamento, estávamos praticamente sós. Quando o último integrante das excursões diárias sai, os guardas abandonam seus postos, deixando os que estão hospedados nos chalés e nas barracas à vontade para pôr em prática o que aprenderam no início da estadia. Caminhar em uma trilha cheia de ursos, porém, acelera o processo de camaradagem entre as pessoas. Nós nos juntamos aos outros, e nos espalhávamos de vez em quando para garantir que não haveria surpresas vindas de nenhuma direção, e voltávamos a tagarelar sem parar.
No dia seguinte, depois de um passeio ao Vale das Dez Mil Fumaças, um despenhadeiro dramático cheio de cinzas e pedra-pomes, voltamos às plataformas de observação. Foi lá que conheci minha primeira superfã, Pat Nelson de Jackson, Missouri, que ficava sintonizada nas câmeras do parque enquanto via TV em casa. E ela tinha boas notícias: Ted tinha voltado. "O que tem a cicatriz. Esse é o Ted. Ele é mais velho. O pessoal achava que ele não ia sobreviver ao inverno", disse ela.
Caía uma chuva fina. Um homem usava um poncho do Mickey para se proteger. Foi aí que percebi que tinha que me separar dos menos aventureiros. Tinha que ir pescar.
Na manhã seguinte, nós nos encontramos com nosso guia, Zacari Pacaldo, que trabalhava no acampamento há três anos. Estava dividido entre o amor pela música – ia começar a faculdade no segundo semestre – e a paixão pela pesca.
Depois de calçarmos as botas, seguimos Zacari pelo mato, subindo e descendo a margem irregular até que, finalmente, chegamos ao rio. Durante uma hora pescamos (bom, a Tara pescou; eu só fiz uma tentativa meio atrapalhada) até que, lá estava ele, um urso pardo vindo na nossa direção.
Tenho que admitir que meu coração disparou. Zacari deu um passo à frente, a lata de spray na mão, nós duas mais para trás. Puxamos as linhas e, lentamente, nos afastamos. Ele chegou a uma pequena clareira à nossa frente e depois voltou para a água, correnteza abaixo, sem olhar para o nosso lado sequer uma vez. Eu não me ofendi, afinal ninguém quer ser foco da atenção de um urso. (Embora fizesse questão, é claro, de que Zacari tirasse uma foto minha com o bichão por perto.)
Depois de pescar e ver os animais, arrumamos nossas coisas e percorremos a trilha no caminho inverso. Pegamos o hidroavião com cinco integrantes de uma excursão. Uma mulher que usava um moletom onde havia seu nome estampado, perguntava aos outros o que tinham visto. "Aquela fêmea que caça feito macho...", começou ela. Tive a impressão de que estava praticando o que falaria para os amigos que acompanhavam as imagens das câmeras ao vivo para incentivá-los a conferir os ursos pessoalmente no próximo verão.
É radical?
A avaliação varia de 1 (não mesmo) a 4 (extremamente).
Isolamento: 3
O Parque nacional Katmai, que inclui Brooks Camp, é acessível apenas por barco ou avião. Para chegar a Brooks saindo de Anchorage, faça conexão em King Salmon, voo que dura uma hora pela Alaska Airlines ou PenAir. De lá, são 20 minutos de hidroavião até Brooks Camp. Há também táxis aéreos saindo de Homer e Kodiak.
Desconforto: 2
Quem gosta de acampar vai achar o camping confortável. Não conhece muita coisa a respeito? Alugue o equipamento em Anchorage. Por causa dos ursos, toda a preparação da comida tem que ser feita em uma área específica. Compre combustível na lojinha local ou dê uma olhada na última prateleira do armário, geralmente há sobras. Se preferir não levar nem comida, nem apetrechos de cozinha, pode comprar as refeições prontas na sede.
Dificuldade física: 2
Os 2 km de caminhada até Brooks Falls são fáceis e tem acesso para cadeiras de rodas. Embora a descida – mas principalmente a subida para sair do Vale das Dez Mil Fumaças seja um pouco cansativa, devagar e sempre você chega lá.
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