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Borboletas, formigas e orégano fazem ménage à trois da natureza

Juan Carlos Ulate/Reuters
Imagem: Juan Carlos Ulate/Reuters

Nicholas Wade

29/08/2015 06h00

Pode ser difícil imaginar um ménage à trois, satisfatório para todas as partes, em que um membro tenta desalojar outro com um gás tóxico e um terceiro come os filhotes dos outros dois. Mas esse arranjo existe, e um dos participantes pode até estar guardado tranquilamente na prateleira de temperos da sua cozinha.

A história começa com a borboleta azul, que costuma colocar seus ovos nas plantas de orégano selvagem. Depois que nascem, as lagartas mascam os botões das flores por duas semanas e então, uma noite, caem no chão.

A maioria das formigas se alimenta no meio do dia, mas ao marcar sua queda para o crepúsculo, o bebê lagarta acaba adotado por uma formiga vermelha do gênero Myrmica, que se alimenta apenas quando está anoitecendo. Adotando a postura de uma larva e soltando um cheiro que imita o da própria Myrmica, a lagarta engana a formiga, fingindo ser um filhote perdido do formigueiro.

Levada para o ninho da debaixo da terra, a lagarta adotada não permanece impotente e enjeitada por muito tempo. Ela começa a adquirir influência na sociedade imitando os pequenos barulhos que a rainha das formigas faz. E, depois de ganhar um bom status no ninho, pode alcançar o objetivo de sua visita: comer as larvas das formigas.

As próprias formigas usam suas larvas como alimento quando os tempos estão difíceis, por isso, não veem como algo tão terrível o comportamento canibal de sua visitante ilustre.

A lagarta se empanturra com as larvas de formigas por dez meses, aumentando seu peso cerca de 50 vezes, até chegar a hora de virar casulo e depois borboleta.

A associação da borboleta azul com as formigas já é conhecida há mais de um século. Mas apenas recentemente os pesquisadores começaram a explorar como a borboleta consegue detectar os formigueiros da espécie de formiga por quem suas lagartas são adotadas. (A borboleta, comum na Europa, procura apenas uma espécie do gênero Myrmica, mas as espécies particulares de formigas variam de região para região no território onde as azuis vivem.)

Os pesquisadores ficaram perplexos quando as experiências para testar a habilidade da borboleta de sentir a presença das Myrmicas não surtiram nenhum resultado.

“O fato de que nenhum dos testes parecia funcionar era muito misterioso”, conta Naomi E. Pierce, estudiosa da interação de borboletas e formigas na Universidade Harvard.

Uma solução surpreendente foi proposta por pesquisadores liderados por Dario Patricelli e Emilio Balletto, da Universidade de Turim, na Itália, e Jeremy A. Thomas, da Universidade de Oxford. Eles desenvolveram evidências de que a planta de orégano é uma mediadora crucial entre as formigas e a borboleta azul.

Para afastar formigas e outras ameaças, a planta de orégano solta gases tóxicos. Mas a Myrmica desenvolveu uma habilidade de se desintoxicar do inseticida carvacrol, o principal ingrediente do sistema de defesa do orégano.

As Myrmicas podem não gostar especialmente de carvacrol, mas adoram viver perto das plantas de orégano porque a substância potente afasta as competidoras.

A planta de orégano não fica tão feliz quando os túneis de um formigueiro da Myrmica se espalham sob ela e as formigas podam suas raízes. Elas duplicam a quantidade de carvacrol produzido, de acordo com um relato da equipe de Thomas feito no mês passado no Proceedings of the Royal Society B.

Isso, dizem os cientistas, é a pista para as fêmeas das borboletas azuis que estão procurando o lugar certo para colocar seus ovos. Um cheiro mais forte de carvacrol mostra não apenas qual é a planta certa para as lagartas comerem, mas também o fato de que sob ela, especificamente, há um ninho de Myrmicas.

“É uma ideia bem bacana, e foi um estudo muito ambicioso porque há vários componentes que precisam ser avaliados”, conta Pierce.

Apesar da relação hostil entre seus membros, o sistema borboleta azul-orégano-Myrmica traz vantagens para todos.

O orégano sacrifica mais do que uma dúzia de seus botões de flores para cada lagarta da borboleta azul, mas se beneficia porque, crescendo, a lagarta irá comer as formigas que roem suas raízes. As Myrmicas podem perder algumas larvas para as lagartas de borboleta azul, mas é um preço pequeno a pagar pela proteção que o orégano dá contra as formigas rivais. E a borboleta azul explora a associação entre o orégano e a Myrmica para conseguir um berçário seguro debaixo da terra para seus filhotes.

Talvez por causa do sucesso de seus métodos de enganação, a borboleta azul sobreviva colocando apenas 50 ovos, menos do que várias outras espécies. Mas sua dependência de apenas um tipo de Myrmica amarra seu futuro ao das formigas.

Thomas, que é ecologista, foi chamado quando as últimas poucas colônias de borboletas azuis da Inglaterra estavam no caminho da extinção. Ele passou quatro anos estudando a última colônia restante, dolorosamente assistindo-a diminuir de 200 borboletas em um ano para 64 no outro e depois para 20.

Apenas quando as borboletas azuis estavam praticamente extintas da Inglaterra, ele e seus colegas entenderam o que andava acontecendo. A borboleta necessitava não apenas da formiga vermelha, como eles acreditavam, mas de uma espécie em particular. E a Myrmica, que é muito suscetível à temperatura, precisa trazer sua cria para um solo morno logo abaixo da superfície. O problema é que o solo fica quente o suficiente apenas sob relva curta ou pastagens.

“Gradualmente ficou claro que as borboletas precisavam apenas de uma espécie de formiga vermelha e que estavam desaparecendo por causa das mudanças no uso do solo”, conta Thomas.

Quando os fazendeiros ingleses tiraram seus animais dos solos pobres das colinas, a relva cresceu, diminuindo o habitat da Myrmica. Coelhos, em parte, ajudavam a pastar, mas o vírus myxomatosis devastou as populações desses animais da Inglaterra e selou o fim das borboletas azuis.

Depois de analisar as informações, Thomas achou que havia entendido as razões para o declínio do número de borboletas e podia restaurá-lo mantendo a relva curta em seus habitat.

“Entre persuadir as pessoas a mudar o gerenciamento das reservas naturais até ver os resultados, demorou muitos anos. Quando consegui fazer com que elas entendessem, as borboletas já estavam extintas”, conta ele.

Para testar sua ideia, ele introduziu uma variedade de borboleta azul quase idêntica vinda da Suécia. Os puristas objetaram que não era a mesma borboleta extinta na Inglaterra. Mas as espécies de borboletas azuis da Inglaterra variavam consideravelmente de um habitat para outro, e as suecas “eram muito parecidas com as inglesas”, conta Thomas. A borboleta azul está de volta e seus números crescem em cerca de 30 pontos do país.

A borboleta azul pertence a uma extensa família de exemplares conhecidas como lycaenids, que se originaram cerca de 75 a 80 milhões de anos atrás. A primeira lycaenids provavelmente teve um relacionamento próximo com as formigas, em que suas lagartas secretavam alimentos que as atraiam e, em retorno, eram protegidas por elas, explica Pierce. A maioria das lycaenids hoje ainda tem algum tipo de relação com as formigas. E várias espécies, incluindo as borboletas azuis, desenvolveram de maneira independente uma habilidade para transformar o relacionamento de defesa-alimentação em uma associação predatória com suas protetoras.