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"Não falta água em São Paulo, falta planejamento", diz geógrafo da USP

29.jul.2015 - O nível baixo da represa Jaguari-Jacareí, em Joanópolis (SP), permitiu a construção de um barraco em sua margem.  A represa compõe o sistema Cantareira, que manteve o nível em 18,8% da água armazenada, segundo índice divulgado pela Sabesp - Luis Moura/Estadão Conteúdo
29.jul.2015 - O nível baixo da represa Jaguari-Jacareí, em Joanópolis (SP), permitiu a construção de um barraco em sua margem. A represa compõe o sistema Cantareira, que manteve o nível em 18,8% da água armazenada, segundo índice divulgado pela Sabesp Imagem: Luis Moura/Estadão Conteúdo

Camila Neumam

Do UOL, em São Paulo

04/09/2015 06h00

“Como uma metrópole como São Paulo, com toda pujança econômica, fica à mercê do 'chove-não-chove' como se fôssemos uma sociedade primitiva? Eu conheço países e vivi em países que têm muito menos água disponível e a água é gerida de forma que não falte”, afirma com contundência Luis Antonio Bittar Venturi, professor livre docente do Departamento de Geografia da USP (Universidade de São Paulo), que pesquisa o reaproveitamento de água em países do Oriente Médio com base na dessalinização dos oceanos e na água de reúso.

O estudioso acredita que a água é um recurso infinito para uso humano desde que haja capacidade de tratar água de rios, oceanos, esgotos e que seja usada de forma sustentável. Para Venturi, a culpa pelas torneiras secas de São Paulo não é de São Pedro, mas da falta de planejamento para priorizar investimentos no tratamento de bacias hidrográficas poluídas, para reintegrar sistemas hídricos e evitar o desperdício de água potável.

“Não há como falar que falta água em São Paulo. Falta água limpa porque falta gerenciamento adequado. Não existe uma crise hídrica natural. Mesmo sem chover ainda há muita água para abastecer a população. Se você sobrevoar São Paulo, vai ver muitos rios e represas que cortam a região metropolitana e que têm água suficiente para abastecer os moradores. Poluímos o corpo hídrico e não somos capazes de limpá-lo e tratá-lo num ritmo suficiente para abastecer a população”, disse.

São Pedro não vai castigar

“A água não é finita, o que é finita é a capacidade de tratar, de distribuir. A água é o recurso mais abundante do planeta. O que deveria ser dito nas campanhas não é que a água é um recurso finito e por isso temos que economizar. O que deve ser dito é o seguinte: captar, tratar e distribuir é caro, então economize”. No entanto, segundo ele o “discurso oficial sempre vai culpar a natureza para se redimir de suas responsabilidades”.

“As pessoas têm que saber que a água é infinita, mas que pode faltar pela gestão inadequada e pelo uso irracional. Não porque São Pedro vai castigar”, afirma.

O geógrafo realizou uma pesquisa na Síria entre 2010 e 2011 em que mostrou que planejamento e tecnologia podem ser os maiores aliados para garantir o abastecimento de água mesmo em regiões desérticas. Em Damasco, por exemplo, as casas possuem dois tipos de encanamentos, um que recebe água potável e outro, água de reúso. A bacia do rio Eufrates também é usada para fornecer água à boa parte da população.

Soluções

Como a situação no Estado de São Paulo já se tornou alarmante, o especialista aponta possíveis soluções de médio e longo prazo para a crise:

“Como não podemos mais esperar apenas pela despoluição dos rios, uma saída é usar as membranas filtrantes (uma tela finíssima que serve como um imenso coador de impurezas) e alguns produtos químicos para limpar a água de bacias poluídas. A solução a longo prazo passa também pelo fornecimento de água de reúso para a população, que pode ser produzida através do esgoto, com mudança na tubulação”, afirma.

Mas nada disso vai adiantar se os rios paulistas continuarem recebendo toneladas diárias de impurezas diariamente, salienta o pesquisador. “Tem que parar com a descarga de poluição nas nascentes paulistas. A reserva Billings ainda recebe 800 toneladas de esgoto e 500 toneladas de lixo por dia, além de receber a poluição química do rio Pinheiros”.

Outro lado

Sobre essas críticas, a Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado de São Paulo, afirmou que a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) realizou uma série de investimentos para evitar a falta d´água. Segundo a nota, obras emergenciais estão sendo realizadas para garantir o abastecimento de água no Estado. Entre elas, a obra do córrego Guaratuba, entregue em janeiro deste ano, que faz a transferência do rio Guaratuba, que deságua em Bertioga (103 km de São Paulo), para o Sistema Alto Tietê.

A construção da nova adutora do Rio Grande, com 2,1 km de extensão, passou a atender 250 mil pessoas da zona sul de São Paulo (SP), de acordo com a secretaria. E a obra do rio Guaió, em Mauá (27 km de São Paulo) aumentou a entrada de água no Sistema Alto Tietê, segundo o governo.

Foram investidos R$ 9,3 bilhões entre os anos de 1995 e 2013, pela Sabesp, em medidas para aumentar o abastecimento de água na região metropolitana de São Paulo, segundo o governo.

A ampliação da ETA (Estação de Tratamento de Água Alto da Boa Vista), no Sistema Guarapiranga, graças à instalação de uma nova unidade de tratamento de água por membranas ultrafiltrantes, também teria ampliado a distribuição de água.

Com expectativa de ser concluída em setembro deste ano, a obra de interligação do braço do Rio Grande deve bombear 4.000 litros por segundo à represa Taiaçupeba, em Mogi das Cruzes (57 km de São Paulo), dentro do Sistema Alto Tietê.

A inauguração do Sistema São Lourenço, que deve abastecer Barueri (30 km de São Paulo) e região através da captação de 4,7 mil litros por segundo na cachoeira do França, em Ibiúna (69 km de São Paulo) está prevista para 2017. Foi aberta ainda a licitação para a obra de interligação entre as represas Jaguari (bacia do Paraíba do Sul) e Atibainha (bacia do Sistema Cantareira), segundo a nota.