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Tecnologia para cumprir promessas da COP de Paris está aquém do necessário

Joel Saget/ AFP
Imagem: Joel Saget/ AFP

Justin Gillis

02/12/2015 06h00

As promessas que os países sinalizaram que farão em Paris, nas duas próximas semanas, para reduzir emissões inevitavelmente ficarão aquém do necessário para resolver o problema da mudança climática.

Mas muitos líderes políticos reunidos aqui –incluindo governadores, prefeitos e secretários provinciais– estão pressionando por reduções mais agressivas. Às dezenas, eles estão assinando acordos voluntários comprometendo suas jurisdições a reduções mais rápidas e mais profundas nas emissões dos gases do efeito estufa do que o prometido por seus governos nacionais.

"Não estamos agindo rápido o bastante", disse em uma entrevista o governador da Califórnia, Jerry Brown, que está ajudando a liderar o esforço. "Precisamos fazer mais."

Tudo isso levanta uma pergunta provocadora: como seria um plano realmente ambicioso para lidar com a mudança climática?

Apesar da intensidade do debate a respeito do aquecimento global, a pergunta há muito é considerada teórica e poucas pessoas dedicaram tempo para estudar os passos potenciais para uma "descarbonização profunda" –certamente não com o nível de detalhes necessário para um plano concreto.

Ultimamente, isso começou a mudar. Mas análises recentes deixam claro quão difícil provavelmente será uma transição mundial para um sistema de energia limpa.

"A aritmética é realmente brutal", disse Jeffrey D. Sachs, um economista proeminente da Universidade de Columbia. "Estamos em uma situação tão terrível que todo país precisa realizar essa transformação, caso contrário não funcionará."

Sachs ajudou a iniciar aquele que talvez seja o esforço mais sério para elaborar um roteiro detalhado para uma transição energética: o Projeto Caminhos para Descarbonização Profunda, baseado em Paris e Nova York. Nos últimos dois anos, o esforço alistou equipes de 16 países, responsáveis por grande parte das emissões globais, para elaborar esses planos.

Os analistas usaram suposições conservadoras a respeito das tecnologias atuais e seus custos. Eles também presumiram que os países desenvolvidos não estariam dispostos a promover grandes mudanças em seus modos de vida –que as pessoas continuariam insistindo em transporte, refrigeradores, luz elétrica e assim por diante– e que os países pobres continuariam buscando padrões de vida mais altos, que exigem mais energia.

Os especialistas também descartaram milagres energéticos, como tecnologias como fusão nuclear, que podem vir a ajudar enormemente caso se tornem disponíveis, mas em grande parte ainda permanecem na prancheta. "Se não pudéssemos colocar um capacete e visitar a tecnologia em campo, no mínimo em um estágio piloto, então não seria incluída em nossa análise", disse Ben Haley, um consultor sênior da Energy and Environmental Economics, uma empresa de consultoria envolvida no trabalho.

Com essas suposições, os especialistas se concentraram em uma questão específica: as emissões podem ser reduzidas o suficiente daqui até 2050 para atender a meta internacional estabelecida para evitar os piores efeitos da mudança climática?

"Ainda pode ser feito –mas pode passar raspando", disse Guido Schmidt-Traub, diretor executivo da Rede de Soluções para Desenvolvimento Sustentável, que ajudou a organizar o esforço.

As tecnologias estão aquém

Talvez a conclusão individual mais crucial do projeto é que as tecnologias disponíveis atualmente, apesar de boas o suficiente para dar início à transição, provavelmente não são boas o bastante para concluí-la.

Isso significa que os especialistas que há muito defendem um programa mais intensivo de pesquisa de energia limpa têm razão. A análise pelos 16 países sugere que muitas tecnologias, como carros elétricos e turbinas eólicas no mar, se tornaram melhores e mais baratas.

A energia solar oferece um ótimo exemplo, com o preço dos painéis caindo 80% ao longo da última década, um resultado direto de subsídios e outras políticas que visam criar um mercado maior. Em muitos locais, a energia solar ainda é mais cara do que a energia produzida a partir de combustíveis fósseis, mas a diferença caiu consideravelmente.

Nos últimos anos as turbinas eólicas também se mostraram grandes vencedoras. Elas fornecem quase 5% da energia elétrica nos Estados Unidos, e em um punhado de Estados e alguns países menores, esse número passou a dois dígitos. A energia eólica é tão abundante no Texas que uma empresa de lá está dando de graça eletricidade à noite.

As boas notícias a respeito da energia eólica e solar inspiraram alegações de que poderiam arcar com toda a carga da transição energética. Mark Z. Jacobson, um engenheiro da Universidade de Stanford, chamou atenção para uma conclusão de que todo o mundo poderia operar com 100% de energia renovável até 2050.

Mas esses cenários envolveriam um esforço extraordinário. Os planos de Jacobson exigiriam, entre muitas outras ações, que 156 mil turbinas eólicas fossem construídas além das costas americanas nos próximos 35 anos, e o dobro disso em terra. Em 20 anos de esforços, os países europeus conseguiram construir cerca de 3.000 turbinas no mar.

Jacobson cita com frequência a mobilização dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial como um exemplo do que pode ser feito por uma sociedade determinada. Mas para outros especialistas, esse mesmo argumento aponta para a impraticabilidade política e econômica de seus planos.

"Eu simplesmente não vejo uma mobilização como a da Segunda Guerra Mundial acontecendo para algo que não seja uma guerra mundial", disse Jesse Jenkins, um analista de energia do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). "Nós não faremos isso. Então a pergunta é, o que faremos?"

Os cenários apresentados pelo Projeto Caminhos para Descarbonização Profunda seguem em parte os planos de Jacobson, ao pedirem por quantidades substanciais de energia renovável. Mas esses cenários também sugerem que a transição de energia seria mais fácil e mais barata com opções adicionais de tecnologia, incluindo algumas que não são do agrado do movimento ambiental.

Por exemplo, em alguns países com demanda crescente de energia, como a China, a pesquisa apontou que a energia nuclear seria essencial para permanência dentro de uma meta rígida de emissões. Jenkins disse que novas usinas nucleares também seriam necessárias em alguns Estados americanos.

E muitos especialistas acreditam que os Estados Unidos, mesmo não construindo muitas novas usinas nucleares, seriam tolos se fechassem as existentes, já que fornecem 19% da energia elétrica do país com emissões mínimas. Mas ultimamente algumas delas foram fechadas, ocasionalmente por temores de segurança, mas principalmente devido aos preços baixos de energia causados pela abundância de gás natural.

A pesquisa também sugere que para atender metas rígidas, alguns países teriam que continuar queimando carvão ou gás natural para gerar energia, capturando o dióxido de carbono emitido pelas chaminés, comprimindo-o e injetando-o profundamente no subsolo.

Os governos discutem há décadas a necessidade dessa tecnologia, conhecida como captura e armazenamento de carbono. Mas dedicaram pouco esforço para desenvolvê-la, de modo que não avançou muito além da escala de demonstração, apesar de alguns poucos projetos estarem começando a entrar em operação. Grupos ambientais desconfiam da tecnologia e a Alemanha, um dos países mais determinados em combater o aquecimento global, em grande parte decidiu não empregá-la.

Talvez a conclusão que mais chama atenção no Projeto Caminhos para Descarbonização Profunda seja a de que os governos poderiam arruinar a transição energética ao não planejarem suficientemente a longo prazo. A maioria dos países está estabelecendo metas de 10 e 15 anos que podem ser cumpridas com mudanças incrementais.

Mas isso quase garante que os problemas mais difíceis, como aperfeiçoar a tecnologia de captura de carbono, serão tratados tarde demais para atender a meta de longo prazo de emissão zero, apontam os pesquisadores.

"Quando chegarmos às coisas difíceis, teremos perdido tempo demais", disse Schmidt-Traub. Em vez disso, os governos precisam estabelecer onde desejam estar em 2050, ele disse, e então trabalharem de trás para frente para traçar o caminho tecnológico necessário, ao mesmo tempo permanecendo abertos a novas invenções.