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Limitar aquecimento global em 1,5°C é quase impossível; saiba por quê

Dominique Faget/AFP
Imagem: Dominique Faget/AFP

Fernando Cymbaluk

Do UOL, em São Paulo

12/12/2015 06h00

Na COP-21, conferência que busca um consenso sobre ações e metas para reduzir emissões de gases estufa e conter o aquecimento global, países ricos e pobres adotaram um discurso considerado otimista: que farão esforços para limitar o aumento da temperatura do globo em 1,5°C em relação à era pré-industrial.

Porém, mesmo que a referência a esta meta esteja no texto final do acordo climático, o mundo nunca fez o esforço necessário para alcançá-la, e está muito longe de fazê-lo. A marca de 1°C de aquecimento foi batida em 2015. Até 2100, não poderíamos deixar que a temperatura subisse mais do que 0,5°C.

A viabilidade da proposta não é totalmente descartada pela ciência, mas seriam necessárias ações de retirada de CO2 da atmosfera. As ações de fato adotadas até hoje não garantem nem uma diminuição das emissões globais, quanto mais a sua retirada. "Hoje, é impossível atingirmos a meta de 1,5°C", assegura Paulo Artaxo, integrante do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas).

Garantir a meta que faz brilhar os discursos dos negociadores de países como EUA e Brasil poderia ser viabilizado pelas nações desde que "um enorme esforço seja feito", diz Artaxo. Tal esforço exigiria mudanças radicais a partir de já.

"Limitar o aquecimento em 1,5°C demanda ação imediata e profunda", diz Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima.

Nesta Conferência do Clima, o principal instrumento para garantir a redução do aumento das emissões são as INDCs, metas voluntárias apresentadas pelos países que entrariam em vigor daqui a cinco anos. Para Rittl, seria necessário "a revisão das metas antes do início de sua implementação, em 2020". Mas pelo rascunho do texto, essa revisão só seria feita em 2023.

A ONU já afirmou que a soma das INDCs apresentadas por mais de 150 países não garante nem mesmo que o aquecimento global seja limitado a 2°C neste século. Pelos cálculos, as metas manteriam o aquecimento entre 2,7ºC e 3,5ºC.

"Mesmo atingir o limite de 2°C não será fácil, pois as reduções nas emissões teriam que ser de 70% até 2050", diz Artaxo. Ele se refere ao período entre 2010 e 2050, utilizado em relatório apresentado pelo IPCC. A menção a esta redução foi retirada do texto, que conta apenas com a meta de "neutralizar as emissões na segunda metade do século".

O especialista explica que todas as metas apresentadas até então garantem média de redução de 35% das emissões entre 2010 e 2050. "É preciso dobrar as reduções nas emissões para que o patamar de 2°C não seja superado".

Além de cortar emissões, seria preciso mais

Mesmo se revisões fossem feitas antes da implementação do acordo com aumento das ambições, apenas cortar emissões não seria suficiente.

Segundo Artaxo, seria necessário "retirar CO2 da atmosfera através de grandes projetos de reflorestamento em larga escala". Uma das principais ações para sequestro de CO2 é o reflorestamento. "Isso não é factível hoje", completa.

Na avaliação de Rittl, a meta mais otimista exigiria a adoção das mudanças mais ambiciosas em todos os aspectos em debate no acordo.

"É necessário financiamento e transferência de tecnologia para países mais pobres, para que possam se desenvolver, reduzindo desigualdades, sem que precisem seguir o padrão de desenvolvimento dos ricos. São vários elementos, um pacote completo", diz Rittl.

Contudo, o rascunho de documento que prevê "esforços" para perseguir o limite de "1,5°C" é vago com relação a ações concretas, como objetivos certos de redução de emissões, e pouco ambicioso com relação ao financiamento para adaptação de países menos desenvolvidos.

O documento, por exemplo, não estipula aumento das metas de financiamento já acordadas. Segundo cientistas, para ter 1,5ºC, as emissões mundiais de gases do efeito estufa têm de alcançar um pico em 2020 e em seguida cair a zero até 2050. Mas desapareceram do texto quaisquer referências à descarbonização.

Proposta é defendida com unhas e dentes pelos mais vulneráveis

Antes do início das negociações da Conferência do Clima em Paris, a ONU alertava que seria necessário estabelecer metas de ações que limitassem o aquecimento global em pelo menos 2°C neste século. Um aquecimento maior do que este limite causaria os efeitos mais catastróficos.

Eis que, no segundo dia da COP-21, uma proposta mais ambiciosa, de limitar o aquecimento em 1,5°C, é levantada pelo grupo de países mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas - como pequenas ilhas que podem sumir com a elevação do nível dos oceanos.

Elogiada por ONG's e ativistas, a ideia foi para as mesas de negociação. Entre o 1,5° defendido com afinco pelos mais vulneráveis e a meta menos ambiciosa de 2°C, surgiu um caminho do meio: limitar o aquecimento global a "bem abaixo de 2°C", com "esforços" para alcançar o 1,5°C. Foi a posição que acabou prevalecendo no último rascunho do texto antes da divulgação do acordo final. 

Para Carlos Rittl, a opção pela meta mais ambiciosa seria uma questão de justiça, já que é a única que poderia afastar danos gigantescos aos países mais vulneráveis - fome e refugiados climáticos em nações africanas, eventos climáticos extremos em países asiáticas, o completo desaparecimento em pequenas ilhas do Caribe e Oceania.

"Toda nação tem o direito de não querer desaparecer por causa do aquecimento global", diz o especialista.