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Animais silvestres viram pet e são maltratados; jabuti vai receber casco 3D

Casco fabricado por impressão 3D é aplicado em jabuti maltratada - Animal Avengers
Casco fabricado por impressão 3D é aplicado em jabuti maltratada Imagem: Animal Avengers

Paula Moura

Colaboração para o UOL

14/01/2017 04h00

Há seis anos, a veterinária Elisângela Sobreira resgata, cuida e devolve à natureza animais silvestres que estavam aprisionados ou animais resgatados de queimadas ou desmatamento. Os casos mais graves são intencionais e envolvem ataque explícito, como o caso que mais a emocionou: uma jabuti que perdeu o casco ao ser queimada em um ato de vingança contra seu dono.

“Ela veio sem o casco, com as vísceras para fora. Chorei muito quando vi”, recorda. Após seis meses e batizada de Estrela, o animal continua sua recuperação para receber um casco feito por impressora 3D.

Não são raros também os casos de animais que têm os olhos furados para que não percebam o que está acontecendo ao seu redor e chamarem atenção com seus “gritos”.

“Vemos divulgados muitos casos contra cães e gatos, mas infelizmente os animais silvestres criados como de estimação sofrem muitos maus-tratos”, diz ela, que é diretora do Centro de Controle de Zoonoses de Anápolis (GO) e lançou o livro “Maus-tratos aos animais silvestres de estimação: aspectos éticos e ambientais” com base em sua tese de doutorado na Unesp (Universidade do Estado de São Paulo).

Por vezes, os maus-tratos são fruto da falta de informação dos donos, explica Elisângela. Por exemplo, quando os proprietários não fornecem a alimentação adequada e os animais ficam subnutridos. Em vários casos, ela recebeu aves que arrancam suas penas e até macacos que tiveram doenças ósseas por não consumirem proteínas, apenas frutas.

A veterinária analisou os dados do Centro de Triagem de Animais Silvestres do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais) em Goiás.

Elisângela Sobreira cuida de animais resgatados e entregues ao Ibama de Goiás - Acervo Pessoal - Acervo Pessoal
Elisângela Sobreira cuida de animais resgatados e entregues ao Ibama de Goiás
Imagem: Acervo Pessoal

39 mil animais silvestres em 2014

Segundo o Ibama, em 2014, centros de todo o Brasil receberam um total de 39.637 animais e 31.106 foram destinados, ou seja, puderam retornar à natureza. No entanto, grande parte dos mais de 8 mil restantes não sobrevive

No início deste ano, a ONU (Organização das Nações Unidas) lançou uma campanha mundial de proteção aos animais silvestres, enfatizando que o tráfico de animais já levou à extinção espécies de macacos grandes em vários países da África e ameaça outras espécies.

Como no resto do Brasil, a maioria dos animais apreendidos são aves, seguidos por répteis, anfíbios e por último, mamíferos.

Canários da terra são muito procurados como animal de estimação por conta de seu canto - Hector Bottai/Divulgação - Hector Bottai/Divulgação
Canários da terra são muito procurados como animal de estimação por conta de seu canto
Imagem: Hector Bottai/Divulgação

“Nos últimos cinco anos, 44% das apreensões foram de uma única espécie, Canário-da-terra (Sicalis flaveola), enquanto a segunda espécie mais apreendida é o famoso curió (Sporophila angolensis)”, diz Elisângela em seu livro. 

No Brasil, é crime manter animais silvestres em cativeiro, a não ser que tenha sido adquirido de um criadouro autorizado pelo Ibama ou órgão ambiental estadual. Denúncias devem ser feitas ao Batalhão de Policiamento Ambiental da Polícia Militar de cada Estado.

“Bonitinhos” quando filhotes, mas depois crescem

"A gente acha que as pessoas não criam animais silvestres de estimação, que é raro. Eu vi que é comum demais. e não só nas áreas rurais, mas também nas cidades”, diz a veterinária.

Ela explica que é normal criar empatia por um filhote, mas que depois os animais crescem e as pessoas não sabem o que fazer com eles. Um exemplo é o cagado chamado tigre d’água por causa de listras rajadas nas patas, que costuma ser abandonado quando crescem e já não cabem no antigo aquário.

“As pessoas esquecem que o bichinho vai sofrer e não vai ficar bonitinho, pequenininho e fofinho para sempre”, diz.

Onça pintada era animal de estimação em garimpo do Pará - Divulgação/ONG Associação Mata Ciliar - Divulgação/ONG Associação Mata Ciliar
Onça pintada era animal de estimação em garimpo do Pará
Imagem: Divulgação/ONG Associação Mata Ciliar

Onças sem garras, tucanos com asas cortadas

Entre os animais resgatados há onças pardas, tamanduás bandeira com as garras arrancadas, tucanos e outras aves com asas cortadas. Ela alerta que em um momento ou outro, mesmo sendo criado desde pequeno dentro de um ambiente doméstico, o animal silvestre apresenta comportamentos selvagens e pode atacar as pessoas, pois já está sofrendo por não estar em seu habitat. 

Além disso, os animais podem contrair doenças dos seres humanos ou transmitir zoonoses, como a bactéria salmonella, que causa diarreia e até a morte em humanos, e é comum na microbiota de répteis como cagados, jabutis e serpentes.

Os animais machucados precisam ser cuidados antes de serem soltos na natureza. Aqueles que foram criados desde pequenos em ambiente doméstico são liberados em áreas verdes ou parques monitorados por biólogos.

Em caso de animais selvagens fugindo de desmatamento e queimadas, são levados para áreas que já têm outros animais da mesma espécie.