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Desmatamento, pasto e mudança climática causam recorde de queimadas no país

Fogo avança sobre floresta amazônica na região de Apuí, na floresta amazônica - Bruno Kelly/Reuters
Fogo avança sobre floresta amazônica na região de Apuí, na floresta amazônica Imagem: Bruno Kelly/Reuters

Nádia Pontes

Da Deutsche Welle

30/09/2017 04h00

Até o fim de 2017, número de focos de queimadas deve ser recorde no país, a maior parte deles na Amazônia. Com 105 mil ocorrências, setembro já é o pior mês da história. Mudanças climáticas devem agravar cenário. 

O ano de 2017 deve entrar para a história como o período com maior número de queimadas já registradas no Brasil. Até o momento, mais de 196 mil focos de incêndio foram contabilizados, quase metade deles (49%) na floresta Amazônica. O recorde até o momento é de 270 mil incêndios, registrados em 2004.

Somente nos primeiros 27 dias de setembro deste ano, foram 105 mil focos de queimadas, maior número registrado num mês desde o início do monitoramento pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), em 1998. A média para setembro é de 55 mil.

"São dezenas de milhares de focos de queimada por dia", revela Alberto Setzer, coordenador do programa de monitoramento de queimadas do Inpe. "Em termos de ocorrência de fogo detectada por satélite, trata-se de um caso extremo", complementa o pesquisador.

Floresta amazônica vira terra arrasada para posterior plantação de soja e uso para pecuária em Apuí, no Amazonas - Bruno Kelly/Reuters - Bruno Kelly/Reuters
Floresta amazônica vira terra arrasada para posterior plantação de soja e uso para pecuária em Apuí, no Amazonas
Imagem: Bruno Kelly/Reuters
Detentor do sistema de monitoramento de queimadas mais robusto do mundo, o Brasil agora sofre para apagar o fogo. Os alertas são resultado da vigilância ininterrupta de dez satélites, que geram 250 imagens por dia.

Elas mostram dezenas de unidades de conservação afetadas ou destruídas pelo fogo. O Parque Nacional do Xingu, por exemplo, está em chamas há mais de 30 dias. O estrago no Parque Nacional do Araguaia equivale a uma área duas vezes maior que a cidade de São Paulo. Cerca de 320 mil hectares foram perdidos --mais da metade da reserva, que tem 555 mil hectares de cerrado.

Segundo o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), 20% das ocorrências vêm de territórios sob responsabilidade do governo federal. "Os demais 80% dos focos acontecem em terras particulares, ou de atuação do município e do estado", afirma Gabriel Constantino, chefe do Prevfogo (Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais).

Ação humana e condições climáticas

Em 90% dos casos, o incêndio começa por ação humana. A permissão para o uso do fogo em propriedades particulares --geralmente para manutenção de pastagens-- é dada pelo órgão estadual.

O Ibama é responsável pelo combate em terras indígenas, quilombolas e assentamentos, e, atualmente, mil brigadistas atuam pelo órgão. As unidades de conservação --como o Parque Nacional do Araguaia--, por sua vez, são de competência do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

Tanto o Ibama quanto o ICMbio integram o Ministério do Meio Ambiente, que, em abril deste ano teve sua verba cortada em 43% pelo governo federal. No entanto, segundo Constantino, a redução do orçamento não afetou a atuação do Prevfogo. "Todas as equipes estão em campo", afirma.

Embora seja a ação humana que inicie o fogo, ele atinge grandes proporções rapidamente, sai do controle e causa prejuízos devido às condições climáticas "favoráveis", de pouca chuva, baixa umidade do solo e vegetação mais seca.

"Podemos dizer que a má distribuição das chuvas no período chuvoso contribuíram", avalia Morgana Almeida, chefe da previsão do tempo do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia). Como o solo não recebeu a recarga suficiente de água, a chegada do período com menor ocorrência de chuvas encontrou um solo mais seco que o normal.

"O Distrito Federal é um exemplo disso. O sudeste do Pará também apresentou um padrão similar, especialmente nos desvios de chuva nos meses de janeiro, abril e maio", cita alguns exemplos. É nessa região do Pará que está São Félix do Xingu, a cidade com maior número de focos de queimadas, segundo dados do Inpe.

"As chuvas não foram suficientes para recuperar o balanço das florestas. A vegetação se manteve seca e, por consequência, menos resistente ao fogo", pontua Constantino, do Prevfogo.

"Está sendo um ano climaticamente desfavorável, em que a população está desrespeitando a legislação irrestritamente e que as autoridades estão agindo muito aquém do que poderiam”, resume Setzer.

Num mundo mais quente

O cenário pode piorar num mundo mais quente --até o fim do século, a temperatura pode subir até 6°C no país, segundo o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Com o avanço das mudanças climáticas, os períodos de seca devem se intensificar e, portanto, o risco dos incêndios florestais deve aumentar.

"O aumento da temperatura reduz as chuvas, o que pode elevar a incidência de queimada", diz Paulo Artaxo, pesquisador da USP (Universidade de São Paulo), especialista em mudanças climáticas.

Fumaça tinge de cinza o céu de Apuí, no sul do Amazonas, região que registrou avanço de desmatamento nos últimos meses - Bruno Kelly/Reuters - Bruno Kelly/Reuters
Fumaça tinge de cinza o céu de Apuí, no sul do Amazonas, região que registrou avanço de desmatamento nos últimos meses
Imagem: Bruno Kelly/Reuters
Os modelos rodados em computadores que fazem as previsões, no entanto, ainda não são precisos. "Eles não conseguem prever bem como, onde e de que maneira vai chover. Então, não dá para se ter um quadro muito claro em relação a incidência de queimada, embora a tendência seja de aumento", detalha Artaxo.

Mais difícil que lidar com a incerteza dos modelos, é prever o futuro das políticas públicas ambientais no Brasil, opina o pesquisador. "Elas foram muito enfraquecidas ao longo dos últimos dois anos. O Brasil firmou compromissos internacionais para reduzir emissões, mas parece ter se esquecido deles", diz Artaxo, apontando risco de o país não cumprir as metas assumidas no Acordo de Paris.

Cooperação internacional

Por ser uma fonte considerável de emissão de gases estufa, que aceleram as mudanças climáticas, os incêndios em florestas tropicais entraram no radar dos projetos de cooperação do governo alemão. Desde 2012, a Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ) atua junto ao ministério brasileiro em ações de combate e manejo integrado do fogo em reservas ambientais.

"A parceria faz parte da Iniciativa Internacional do Clima lançada na Alemanha, e que financia projetos que combatam as mudanças climáticas", explica Michael Schulze, do GIZ. "O controle dos incêndios florestais reduz as emissões de CO2 e protege a biodiversidade", complementa.

Nos últimos cinco anos, o Brasil recebeu cerca de R$ 45 milhões (12,5 milhões de euros) em projetos de cooperação técnica e financeira --parte desse dinheiro ajudou a financiar novos equipamentos e veículos usados pelas equipes do Prevfogo do Ibama.