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Aquecimento das águas e embarcações estão matando as baleias

North Atlantic Humpback Whale Catalog/The New York Times
Imagem: North Atlantic Humpback Whale Catalog/The New York Times

Karen Weintraub

The New York Times, em Maine

11/10/2017 04h00

Do topo do farol de seis andares, a água se estende além do horizonte para todas as direções. Uma sirene de nevoeiro toca duas vezes em intervalos de 22 segundos, interrompendo o interminável burburinho das gaivotas.

Pelo menos duas vezes por dia, começando pouco depois do amanhecer, pesquisadores sobem os degraus e escadas e atravessam uma porta de vidro modesta para observar os mares em volta, procurando o jato característico das baleias.

Esse pedaço de pedra, a cerca de 25 milhas náuticas de Bar Harbor, no Maine (EUA), é parte de um esforço global para acompanhar e aprender mais sobre uma das criaturas mais majestosas e ameaçadas do mar. Até agora neste ano, o pequeno número de vezes que foi vista aqui só ressaltaram os perigos crescentes ao longo da Costa Leste tanto para as baleias jubarte quanto para as baleias francas do Atlântico Norte.

No último verão, o número de jubartes identificadas a partir de Mount Desert foram abismais --a equipe avistou apenas oito em vez das dezenas habituais. Cinquenta e três jubartes morreram nos últimos 19 meses, várias depois de bater em barcos ou equipamentos de pesca.

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Quinze animais morreram desde meados de abril, em uma população que agora caiu para menos de 450
Imagem: North Atlantic Humpback Whale Catalog/The New York Times
Os cientistas estão preocupados com o fato de as baleias jubarte estarem sendo forçadas a ir para outros lugares em busca de comida à medida que os mares ficam cada vez mais quentes e os locais onde se alimentam são alterados.

"O fornecimento de comida está se tornando mais irregular e menos confiável, então os animais estão se movendo mais. Quanto mais você se move, mais a chance de ficar emaranhado", explica Scott Kraus, vice-presidente e cientista chefe do Centro Anderson Cabot de Vida Oceânica do Aquário da Nova Inglaterra.

As baleias francas do Atlântico Norte, que preferem águas mais frias, também estão mudando seu curso, com consequências ainda mais terríveis. Quinze animais morreram desde meados de abril, em uma população que agora caiu para menos de 450. 

Não havíamos visto essas taxas de mortalidade de baleias francas desde que paramos de caçá-las na região costeira da Nova Inglaterra nos anos 1700".

O aquário mantém um catálogo de imagens das baleias francas do Atlântico Norte, em parte para acompanhar os níveis populacionais. As imagens, que abrangem décadas, são cruciais para entender esses gigantes fugidios.

Do computador do escritório da única casa de Mount Desert Rock, os pesquisadores usam 36 mil imagens mostrando cerca de 9.500 animais para rastrear as baleias. Foi nesta ilha, na década de 1970, que os cientistas confirmaram pela primeira vez que o padrão das barbatanas de cada baleia é único. As caudas das jubartes são uma assinatura tão distintiva quanto um rosto --a não ser que o animal tenha sido atingido por um navio, levado uma mordida de um tubarão ou cortado pelo equipamento de um pescador.

Algoritmos digitais tornam as identificações um pouco mais fáceis, dividindo as fotos em categorias de padrões de barbatanas e principalmente determinando quanto da cauda é branca ou preta. Mas os pesquisadores, entre eles Lindsey Jones, aluno de pós-graduação do College of the Atlantic, que administra a estação, ainda precisa examinar vários milhares de imagens, uma por uma, para fazer a identificação visual.

Deve ser possível construir um algoritmo melhor, mas ninguém no pequeno e dedicado campo de pesquisas de baleias tem fundos para pagar por esse serviço.

Por sorte, algumas identificações são fáceis. Os pesquisadores da ilha veem várias baleias do Golfo do Maine com frequência suficiente para que possam reconhecê-las na hora.

O alto índice de mortalidade de jubartes de janeiro de 2016 a 1º de setembro levou a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica a declarar um "evento incomum de mortalidade". Ninguém sabe exatamente o que está acontecendo, mas as investigações da agência atribuem metade das mortes aos acidentes com navios.

O Golfo do Maine está se aquecendo velozmente --a uma das taxas mais rápidas do planeta-- e as mudanças de temperatura podem estar causando alterações na cadeia alimentar, explica Dan DenDanto, gerente na Estação de Pesquisa Marinha Eward McC. Blair em Mount Desert Rock. À medida que as baleias seguem as fontes de alimentação para novas regiões, entram na rota de navios e se deparam com equipamentos de pesca.

DenDanto e vários investigadores da Allied Whale, um grupo ligado ao College of the Atlantic, planejam começar um projeto de pesquisa no ano que vem analisando pedaços de pele de jubarte, coletados com dardos de biópsia, para determinar do que os animais estão se alimentando e como isso afeta sua saúde.  

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Administração Nacional Oceânica e Atmosférica declarou "evento incomum de mortalidade" da espécie
Imagem: North Atlantic Humpback Whale Catalog/The New York Times

Steven Katona, um dos fundadores do Allied Whale, foi um dos primeiros pesquisadores a começar a identificação de baleias aqui na década de 1970. Katona e seus colaboradores tiraram fotos para o catálogo de jubartes e depois confirmaram seu pressentimento de que os padrões nas barbatanas e caudas permaneciam os mesmos durante toda a vida da baleia.

Em 1975, eles nomearam uma das primeiras jubartes do Atlântico Norte de na00008, ou número 8. A baleia foi vista três vezes desde então: no Golfo de São Lourenço, no Canadá, nos anos 1980, na costa da República Dominicana, em 1993, e no início deste ano na costa de Nova Jersey.

"Temos apenas um punhado de observações dessa baleia, mas isso une os esforços dos colaboradores que estão em grande parte do Atlântico Norte", escreveu em um e-mail Peter T. Stevick, cientista sênior do Catálogo de Baleias Jubartes do Atlântico Norte.

As observações aconteceram em quatro habitats diferentes das jubartes, fornecendo informações de onde essas gigantes se alimentam, onde se reproduzem e para onde migram. Outra ocorrência ligou uma baleia vista no Brasil a uma observada em Madagascar, uma distância de cerca de 10,5 mil quilômetros, provando que o animal do comprimento de um ônibus pode viajar um quarto do caminho ao redor do mundo.

O catálogo também permitiu que pesquisadores descobrissem que as baleias se reproduzem na fronteira do Mar do Caribe e depois se dirigem para áreas tradicionais de alimentação, da Costa Leste até Terra Nova, Labrador, Groenlândia e Islândia.

Entender o comportamento das baleias permanece a chave para ajudá-las a sobreviver em águas mais quentes compartilhadas com os pescadores e os navios, explica Judy Allen, diretora associada da Allied Whale.

"São animais difíceis de estudar. Elas passam a maior parte da vida sob a água. Temos apenas um breve vislumbre quando colocam a cauda para fora da água e alguém por acaso está lá com a câmera", diz Allen.

As baleias francas normalmente são vistas no Golfo do Maine, na costa das Marítimas Canadenses e no Golfo de São Lourenço no verão. No inverno, as fêmeas grávidas e outras migram ao longo da Costa Leste para o sudeste.

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Pesquisadores estudam como os níveis de plâncton, as temperaturas, as correntes e a salinidade podem afetar os movimentos das baleias
Imagem: North Atlantic Humpback Whale Catalog/The New York Times
 

Elas não possuem traços distintos; seus corpos são mais largos e são menos graciosas do que suas primas jubartes. Por isso, os pesquisadores as identificam usando padrões de "calosidade" dos animais --os remendos de pele áspera em suas cabeças. Como essas formações só podem ser vistas do topo, os cientistas precisam usar aviões e barcos para rastreá-las. 

Os pesquisadores baseados em Cape Cod começam a voar nos meses de inverno, quando as baleias francas, que podem crescer até alcançar o tamanho de um prédio de cinco andares, buscam alimentos e interação social nas águas de Massachusetts. Os voos de avião de baixa altitude são tão perigosos que os cientistas passam por um treinamento especial para aprender o que fazer se o avião cair nas águas frias, a quilômetros da costa.

O Catálogo da Baleia Franca do Atlântico Norte, gerenciado pelo Aquário da Nova Inglaterra, inclui imagens de 722 baleias e acompanha a população desde o começo dos anos 1970. O trabalho está sendo particularmente crucial este ano, por causa das várias mortes sem explicação.

Doze carcaças apareceram até agora no Canadá e três nas águas dos Estados Unidos. Apenas cinco filhotes nasceram, pelas contas dos pesquisadores. As últimas contas, divulgadas pelo Aquário da Nova Inglaterra, estimaram a população de baleias francas do Atlântico Norte em 458 animais, mas isso foi antes das mortes deste ano, segundo Kraus.

O voo de 750 a mil pés sobre os animais também permite que os pesquisadores chequem sua saúde, certificando-se que elas não estão arrastando cordas de pesca ou com novas cicatrizes, explica Charles Mayo, diretor do Programa de Ecologia da Baleia Franca no Centro de Estudos Costeiros de Provincetown, em Massachusetts.

As francas são baleias de barbas, o que quer dizer que filtram a alimentação, mantendo o peso de 70 toneladas – quase tanto quanto o Space Shuttle – apenas com animais microscópicos chamados zooplâncton. Essa busca por comida pode levar as baleias a cruzar rotas de navios, onde os animais algumas vezes ficam presos, ou a se acidentar com as engrenagens dos barcos de pesca.

Apesar dos esforços de proteção federais, cerca de 80 por cento das baleias francas têm cicatrizes por causa de redes, cordas e navios. "Elas são incrivelmente construídas para a vida nos oceanos, que infelizmente está mudando", diz Mayo, que se preocupa com o fato de elas não estarem encontrando o que precisam no lugar onde deveriam.

"Com certeza é um lugar perigoso para viver", afirma.

A Baía de Cape Cod, um dos primeiros locais onde as baleias francas foram caçadas quase até a extinção, agora é seu lugar favorito. Depois de verem rotineiramente até 100 a cada temporada de inverno, os pesquisadores catalogaram de 200 a 300 na maior parte dos anos desde 2009, conta Mayo.

Agora, os pesquisadores do Centro de Estudos Costeiros estão tentando determinar como os níveis de plâncton, as temperaturas, as correntes e a salinidade podem afetar os movimentos dos animais.

Eles ainda não sabem muito bem nem como as francas encontram sua comida. Christy Hudak, pesquisadora associada do centro, diz que acha que as baleias provavelmente usam uma combinação de sentidos.

Os amadores também participam dos catálogos de baleias para ajudar os pesquisadores e pelo próprio prazer.

Gale McCullough, de Hancock, no Maine, criou uma página no Flickr e uma no Facebook onde as pessoas podem publicar fotos de baleias que viram e compartilhar seu amor por esses animais.

É importante que as pessoas vejam que cada baleia é um indivíduo com uma história de vida e um grupo de filhotes, como nós".

Outro participante, Ted Cheeseman, também mantém um catálogo público on-line de jubartes, ligando o banco de dados da Allied Whale com outros por todo o país.

Ele avisa as pessoas quando uma baleia que fotografaram foi avistada novamente. Nos dois anos em que vêm colecionando imagens, 1.400 pessoas mandaram mais de 60 mil fotos de mais de 10 mil baleias identificáveis.

"Minha ideia é que isso se torne uma coisa regular, e que as pessoas entendam que essas baleias estão lá fora, devem ser respeitadas, valorizadas e realmente admiradas", afirma Cheeseman, fotógrafo de vida selvagem e operador de uma empresa de safári.

"Tivemos alguns casos de gente avisando 'Ei, essa baleia conhecida está emaranhada'. As pessoas reagem de maneira muito diferente quando é a baleia 'delas'."