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Criador da Teoria de Gaia defende fim de combustíveis fósseis

O cientista britânico James Lovelock - Jacques Demarthon/AFP
O cientista britânico James Lovelock Imagem: Jacques Demarthon/AFP

Alexander Kwiatkowski*

Da Bloomberg

21/01/2020 13h31

Em sua busca por respostas, James Lovelock se tornou um dos cientistas mais ilustres do mundo.

O britânico, de 100 anos, já escreveu mais de 200 publicações científicas sobre tópicos desde bactérias transportadas pelo ar até a detecção de vida planetária. Ele trabalhou na missão Viking a Marte e ganhou prêmios da NASA por suas invenções usadas na exploração espacial. Lovelock talvez seja mais famoso por sua inovadora Teoria de Gaia, segundo a qual a Terra é um enorme organismo autorregulador.

Mas, quando se trata de convencer a elite global reunida em Davos esta semana a abandonar os combustíveis fósseis - segundo Lovelock, nossa vida na Terra depende disso -, sua percepção é de perplexidade. Enquanto houver dinheiro para ganhar, enquanto empregos e carreiras políticas dependerem disso, continuaremos queimando carbono, e o mundo ficará cada vez mais quente.

"Não tenho uma resposta para esse problema, muito humano, de como podemos parar isso", disse em entrevista por telefone de sua casa em Dorset, na costa sul da Inglaterra. "O mesmo se aplicava às grandes guerras. Sabíamos que seriam coisas desastrosas que causariam muita miséria e danos, mas não podíamos fazer nada a respeito. A natureza humana não é passível de curas sensatas."

Os últimos cinco anos na Terra foram mais quentes do que em qualquer outro momento desde o início da Revolução Industrial, de acordo com o Serviço Copernicus de Mudanças Climáticas da Europa. Um estudo publicado este mês na revista Advances in Atmospheric Sciences mostrou que as temperaturas dos oceanos globais subiram para nível recorde no ano passado.

E só piora. Mesmo levando em conta as atuais promessas dos países de desacelerar o aquecimento global, a Terra deve se aquecer cerca de 3 graus Celsius até o fim do século, de acordo com o Climate Action Tracker, um consórcio de especialistas em clima e cientistas. O aumento da temperatura é o dobro da marca que cientistas identificaram como necessária para limitar os piores impactos das mudanças climáticas.

A "cura sensata" de Lovelock significa parar de queimar carvão, petróleo e outros combustíveis fósseis, a maior fonte das emissões de gases de efeito estufa que estão liderando o aquecimento global. É uma pílula - ainda que amarga - que políticos, executivos e investidores globais precisam engolir enquanto se reúnem em Davos para o Fórum Econômico Mundial.

"Eles acabam de encarar o fato de que os dias do combustível de carbono acabaram", disse Lovelock.

Com 3 graus de aquecimento, muitas geleiras e calotas polares derreteriam, o nível do mar aumentaria e inundaria áreas baixas. Os desertos se expandiriam e as tempestades se tornariam mais violentas, deixando mais áreas inabitáveis. A Organização Meteorológica Mundial espera um aumento de 3 a 5 graus Celsius até 2100.

O pedido de Lovelock à elite global ecoa o da ativista Greta Thunberg, que na semana passada instou os delegados de Davos a pararem de investir e subsidiar combustíveis fósseis imediatamente.

Uma suspensão completa do consumo impediria qualquer aquecimento apreciável do planeta no futuro imediato, de acordo com Lovelock. Pode até começar a esfriar um pouco antes de aquecer novamente lentamente, pois o sol inevitavelmente continua a se aquecer. "Isso nos daria um bom espaço para respirar", afirmou.

Uma retirada completa de combustíveis fósseis seria obviamente inviável sem uma fonte alternativa de energia, e Lovelock está convencido de que a solução é nuclear.

"Não tenho dúvidas sobre a energia nuclear, nunca tive, sempre apoiei muito", disse. Ele vê uma promessa particular no tório como elemento radioativo, mais abundante que o urânio. "Isso nos manterá seguindo em frente por um longo tempo."

Ele acredita que o setor de energia atômica foi prejudicado pelo lobby e legislação antinuclear, além de temores infundados sobre segurança. "Muita bobagem sobre esse assunto são os resíduos nucleares", disse. "Não é um problema. Na verdade, é um desperdício não usá-lo."

Novaceno

Se os humanos não podem se salvar, ainda há esperança para Gaia - o nome que Lovelock usa para a Terra, inspirado por seu amigo, o escritor William Golding, quando entra em sua próxima era: "Novacene" (Novaceno).

É o título de seu mais recente livro, "Novacene: The Coming Age of Hyperintelligence", publicado no ano passado, e descreve a era vindoura da hiperinteligência. Nessa era, ciborgues substituem humanos como o "reino da vida" dominante e entendem que sua existência continuada depende da regulação das condições climáticas do planeta.

Como parte do ecossistema de Gaia, os ciborgues ainda precisarão dos humanos, assim como os humanos continuarão a precisar das plantas. E se sairão melhor ao salvarem o planeta para as gerações futuras.

Falando das gerações futuras, Lovelock diz que seus bisnetos são jovens demais para realmente entender a mudança climática e o grande perigo que isso representa. Quando se trata de preparar nossos filhos para o futuro, seu conselho é comovente.

"Faça-os sentir em casa, confortáveis e seguros, e com esperança de que resolveremos o problema climático."

(*Com a colaboração de James Thornhill.)