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Vetos a marco do saneamento podem trazer risco de desabastecimento

Bolsonaro participa de sanção do novo marco do saneamento básico por meio de videoconferência - Hanrrikson de Andrade/UOL
Bolsonaro participa de sanção do novo marco do saneamento básico por meio de videoconferência Imagem: Hanrrikson de Andrade/UOL

Carlos Madeiro

Colaboração para UOL, em Maceió

16/07/2020 04h00

Resumo da notícia

  • O principal item destacado é veto ao artigo 16, que criava uma regra de transição para as empresas estaduais de saneamento
  • Já o artigo 20 retira o poder dos municípios de fazer programas em resíduos sólidos, tira o direito de estabelecer um contrato com um ente público
  • Bolsonaro também vetou o processo de reestatização, que é algo comum globalmente, e pode causar desabatecimento
  • Para especialista, há risco de "perder praticamente todas as empresas estatais"

Riscos de retrocesso, desabastecimento da população e o rompimento de longos processos de negociação são os principais pontos a serem observados com atenção nos 11 dispositivos vetados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao sancionar o novo marco legal do saneamento básico ontem, dizem especialistas na área consultados pelo UOL.

O principal item destacado é veto ao artigo 16, que criava uma regra de transição para as empresas estaduais de saneamento. Fruto de um acordo entre governadores, prefeitos e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), o artigo garantia aos governos locais, até 2022, a continuidade dos chamados contratos de programa e o subsídio cruzado para empresas estatais.

Confirmado o veto de Bolsonaro, os governos locais serão obrigados a realizar licitações para substituir os contratos vigentes. "Ele é muito importante para que sejam feitas mudanças sem perder as coisas que já existem", explica o presidente nacional da ABES (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental), Alceu Guérios Bittencourt.

A visão que passa é que tem de quebrar o que está para criar tudo de novo, e certamente vai trazer muita incerteza jurídica."
Alceu Guérios Bittencourt, presidente nacional da ABES

A nova lei com os vetos — que Bittencourt classifica como "muito ruins" —, agora serão examinados pelos parlamentares que podem manter ou derrubar esses vetos e promulgarem a lei.

"Houve um processo longo de negociação, e eles rompem isso. Vi até uma manifestação do senador Tasso Jereissati [PSDB-CE, relator do projeto], revoltado com isso, que vai trabalhar para derrubar os vetos", afirma.

Segundo ele, o movimento ameaça desestabilizar todo o setor. "Os dirigentes poderiam fazer ou não fazer, mas dentro de um prazo. Isso foi uma reivindicação longa debatida com os governadores dos estados. O veto retira e coloca que tudo que não esteja regular deve ser feito imediatamente", aponta.

Outros dois vetos ainda são destacados pelo presidente da ABES. "O artigo 14 fala sobre indenização, e ele é muito importante porque trata de um sistema em que vai haver licitações. A indenização de ativos é uma regra fundamental para manter o sistema saudável. E o artigo 20 retira o poder dos municípios de fazer programas em resíduos sólidos, tira o direito de estabelecer um contrato com um ente público", diz.

Para Ingrid Graziele Reis do Nascimento, doutora em Engenharia do Território pelo Instituto Superior Técnico de Lisboa, os vetos também devem trazer problemas e um deles pode afetar a vida das pessoas.

"Ele vetou o processo de reestatização, que é algo comum globalmente, como já aconteceu em Berlim, por exemplo. E fica uma pergunta: se o Governo não vai assumir, quem vai assumir isso se a empresa, por exemplo, decretar falência? Como é que vão ficar as pessoas? A quem eles vão recorrer? Nesse processo todo de falência, tem a parte burocrática. Aí vai ter suspensão de abastecimento? Da coleta de esgoto?", afirma.

A empresa pode se socorrer, abrir falência, vai vir um banco; mas eu pergunto: e a população? Esse impedimento vai implicar em vidas que serão comprometidas."
Ingrid Graziele Reis do Nascimento, doutora em Engenharia do Território

Um outro veto citado por ela é o impedimento da prorrogação dos contratos de programa.

"Aqui no Rio Grande do Norte, por exemplo, temos um contrato que vai até 2027, inclusive a concessionária fez um empréstimo que vai até 2021. Caso termine esse contrato, provavelmente a empresa não vai conseguir pagar esse empréstimo e isso vai travar todos os investimentos, já que ela vai ter que acelerar para fazer no prazo até 2027. Provavelmente vai ser mais um problema. Sem contar que esse prejudica todo o modelo preexistente, porque a maioria das companhias no Brasil seguem esse modelo. A gente vai perder praticamente todas as empresas estatais", explica.