Topo

Conversas na Crise - Depois do Futuro

Ciclo de debates promovido pelo idEA e pelo UOL


Sorrentino: Surpreende que esse vírus não tenha vindo da Floresta Amazônica

Carolina Marins

Do UOL, em São Paulo

16/09/2020 17h57

Com o tratamento que é dado às florestas e ao meio ambiente em geral, pandemias como a do novo coronavírus podem se tornar comuns, segundo o biólogo Marco Sorrentino. Para ele, é surpreendente que o vírus da Covid-19 não tenho surgido de locais como a própria floresta Amazônica, no Brasil.

A avaliação do biólogo foi feita durante o ciclo "Conversas na Crise - Depois do Futuro", organizado pelo Instituto de Estudos avançados da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) em parceria com o UOL.

"Esse vírus é a ponta do iceberg. Ouvindo o [cientista] Carlos Nobre um tempo atrás, ele dizia que é surpreendente que esse vírus não tenha vindo inclusive da floresta Amazônica. Porque há muitos motivos, pelo tratamento que estamos dando aos nossos sistemas naturais, há muita possibilidade de novas doenças, novas pandemias, ocorrerem com origem aqui nos nossos territórios", disse.

É mais importante do que nunca que esse momento da pandemia seja utilizado para uma compreensão científica dessa problemática e para ampliar a capacidade da sociedade perceber que são os nossos comportamentos que estão levando a situações como essa da pandemia, mas também ao aquecimento global.

O biólogo alerta que não deve ser apenas das escolas a responsabilidade de educar as crianças sobre o meio ambiente, mas sim formar uma ação coordenada entre sociedade, políticos e escolas. "Alguém precisa assumir um projeto de educação que incida em mudanças culturais. Mudar de uma sociedade extremamente consumista, gananciosa, para um sociedade do bem-viver, exige uma mudança cultural de tal tamanho que deve haver uma união de esforços das universidades, das escolas, dos partidos políticos, no sentido de enfrentar os grandes desafios que estão colocados nesse momento."

Para o biólogo, os partidos políticos precisam aplicar de verdade a questão ambiental e não apenas utilizar como marketing político. "Que os partidos políticos assumam essa bandeira com toda a qualidade que ela precisar ser assumida, não só como marketing verde".

Crianças na cozinha

Sorrentino chama atenção para a necessidade de se desalienar e compreender o alimento que comemos, além de repensar o consumo massivo de carne que se faz no Brasil. Para isso, ele propõe levar as crianças para cozinha, para que compreendam melhor o que estão consumindo.

"É importante que as nossas crianças aprendam a valorizar os produtos que não são o comer carne indistintamente. Os meus avós, os meus pais achavam que a melhora de vida era comer carne no almoço e janta. Hoje está mais do que claro que estamos criando uma geração de pessoas doentes com tanta ingestão de carne", disse.

Não precisamos virar todos veganos. Mas precisamos saber que não dá para alimentar 8 bilhões de carnívoros no planeta Terra.

Questionado sobre o recente aumento no preço do arroz, o biólogo apontou duas formas de evitar situações como esta: reforma agrária e mudança no hábito de consumo. Ele defendeu a distribuição mais igualitária de terra, para uma produção interna de alimentos e até para exportação.

"Toda mandioca, todo milho que nós precisamos, deve e pode ser produzido no Brasil para alimentar brasileiros e para exportação. Temos condições de alimentar o mundo, mas nós precisamos deixar de ter o campo como terra para especulação, terra para monocultura que leva soja para alimentar boi em lugares distantes do mundo".

Ele pontua ainda que, mais importante do que as pessoas se sentirem culpadas pelas atitudes não ecológicas que têm, é começar a pensar em estratégias de mudanças. "Não é só uma questão de culpabilizarmos por não sermos exemplos de comportamento ecológico, mas é de colocarmos esse desafio e estabelecer estratégias de transição."