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Pecuária responde por 75% do desmatamento em terras públicas da Amazônia

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

27/10/2021 07h00

Três de cada quatro hectares de terras públicas que foram desmatados deram lugar a pasto para atividade pecuária na Amazônia. Os dados constam em um estudo lançado hoje pelo Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).

A pesquisa —assinada por Caroline Salomão, Marcelo Stabile, Lucimar Souza, Ane Alencar, Isabel Castro, Carolina Guyot e Paulo Moutinho— mostra ainda que, entre 1997 e 2020, 87% do desmatamento nessas terras são em áreas não destinadas, ou seja, em florestas ou outras áreas do estado ou União. Isso foi impulsionado pela falta de fiscalização, grilagem e avanço de áreas de pastagem.

Ainda de acordo com os pesquisadores, o desmatamento para pecuária em áreas públicas são processos resultantes de grilagem de terras.

"As pastagens, em comparação com outros usos do solo, parecem ser a principal ferramenta para a ocupação de terras públicas na Amazônia, em especial em regiões de fronteira de desmatamento", dizem os autores.

Gado na Amazônia brasileira  - Henrique Manreza/The Nature Conservancy - Henrique Manreza/The Nature Conservancy
Gado na Amazônia sendo preparado para o abate. Pecuária é principal causa do desmatamento na região
Imagem: Henrique Manreza/The Nature Conservancy

Diz o estudo ainda que, uma vez desmatadas, as florestas não destinadas dão lugar predominantemente às pastagens. "O boi é utilizado como uma espécie de 'zelador' da terra grilada e usado para ensejar a sua 'posse'. Historicamente, esta tem sido a prática da grilagem na Amazônia", aponta.

Segundo a principal autora do estudo, a pesquisadora Caroline Salomão, já era esperado que a pecuária fosse a líder em desmatamento nessas áreas. "O que o estudo mostrou é que o pasto não só foi um vetor para entrada desse desmatamento, como ele permaneceu nessas áreas durante, por exemplo, os dez anos seguintes. Isso quer dizer que houve um investimento financeiro para que essas áreas continuem como pastagem", diz.

Isso traz para gente um alerta para se fazer esse monitoramento de forma mais incisiva porque justamente a gente vê o pasto permanecendo nesse território."
Carolina Salomão, pesquisadora e autora do estudo

O levantamento mostra ainda que cerca de 20% das áreas invadidas e desmatadas nas terras públicas foram abandonadas após ocupação e desmate e apresentaram hoje algum grau de regeneração. "Aí tem um acúmulo de prejuízos nessa área porque, além do investimento para abrir desmatando, a gente tem uma perda imensa de serviços de ecossistema, como o próprio carbono", afirma.

Destruição de "um Paraná"

Segundo o estudo, 21 milhões de hectares das terras públicas foram destruídos entre 1997 e 2020, o que corresponde a 8% dos 276,5 milhões de hectares de florestas públicas existentes da Amazônia Legal. "É uma área maior do que o Paraná", diz o estudo.

As terras públicas são divididas em destinadas (no caso, por exemplo, de unidades de conservação [UCs], áreas militares, terras indígenas [TIs] ou reservas extrativistas) ou não destinadas (que são as florestas públicas e outras áreas sob a responsabilidade da União ou dos estados que ainda não foram destinadas para um uso específico).

Divisão do desmatamento na Amazônia

Divisão de desmatamento em terras não destinadas  - IPAM - IPAM
Imagem: IPAM

"Isso mostra que as TIs e as UCs são as categorias fundiárias mais preservadas da Amazônia. Ainda que detenham uma grande proporção dessa classe no território, 39% das terras públicas (no caso das TIs) e 32% (no caso das UCs), somente 1% e 2% de suas áreas totais, respectivamente, foram convertidas para outros usos", diz.

Segundo os pesquisadores, terras públicas são "constantemente pressionadas por invasões e atividades ilegais, que geram desmatamento e fogo". Um exemplo disso é que, em 2019 e 2020, cerca de 44%, da derrubada anual de florestas na Amazônia aconteceu em terras públicas.

"A ausência atual de ações de controle e combate a ilícitos ambientais na Amazônia resulta na ocupação e na apropriação ilegal —grilagem— deste patrimônio, com avanço do desmatamento e das queimadas na região", aponta.

Sobre essa grilagem, o estudo aponta que ele está fortemente presente na Amazônia e "precisa ser, urgentemente, combatida".

"A existência de Cadastros Ambientais Rurais (CAR) sobrepostos a terras públicas da Amazônia pode ser considerado um forte indício de grilagem. Atualmente, existem 16 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas declarados como propriedade privada no Sistema Nacional de CAR e 15,2 milhões de hectares nas outras terras não destinadas", diz.

O CAR é um registro público eletrônico obrigatório para todos os imóveis rurais, que tem por finalidade integrar as informações ambientais referentes à situação das áreas de preservação permanente, das áreas de reserva legal, das florestas e dos remanescentes de vegetação nativa.

Queimada em porto velho - Rogério Assis/Greenpeace - Rogério Assis/Greenpeace
17.ago.2016 - Área de queimada e pasto em Rondônia, próxima à capital Porto Velho
Imagem: Rogério Assis/Greenpeace

Aproximadamente 28% das áreas de florestas não destinadas têm CAR, o que é completamente ilegal de acordo com a Lei de Florestas Públicas."
Trecho de estudo do Ipam

Nessas áreas, diz o Ipam, o desmatamento fechou a década em alta no fim da década passada. "O desmatamento nas áreas com CAR foi 59% maior no período de 2016 a 2020 em relação ao período anterior, de 2011 a 2015", aponta.

Por fim, os pesquisadores fazem uma série de recomendações:

  • Os governos estaduais e federal devem avançar com a destinação de florestas públicas federais e estaduais para unidades de conservação, terras indígenas, florestas de produção;
  • Promover, por parte do Executivo e Legislativo, debates claros e transparentes sobre legislações referentes à regularização fundiária;
  • Combater as ocupações ilegais em florestas públicas não destinadas, incluindo nesta ação os CAR a elas sobrepostos e declarados nos banco de dados cadastrais dos estados;
  • Governos e Ministérios Públicos Federal e Estaduais devem entender os desafios e desenvolver estratégias para estimular mais adesão de frigoríficos no TAC da Carne, em especial frigoríficos regionais;
  • Frigoríficos devem mapear fazendas produtoras para identificação de quais regiões concentram os maiores desafios relativos à legalidade da cadeia e intensificar o monitoramento dessas regiões e fazendas;
  • Combater a ilegalidade na cadeia da carne, por meio da suspensão/bloqueio, por parte dos agentes financeiros, de financiamentos agropecuários nas florestas públicas não destinadas, bem como estimular o comprometimento, por parte do varejo, de não comprar produtos agropecuários originados dessas áreas.