UOL Mídia GlobalUOL Mídia Global
UOL BUSCA

RECEBA O BOLETIM
UOL MÍDIA GLOBAL


27/01/2008
Guatemala, um Estado falido?
O espanhol Carlos Castresana, presidente da Comissão Internacional contra a Impunidade, dirige a luta para fazer do país um autêntico Estado de direito

M. Á. Bastenier
Na Cidade da Guatemala


A Guatemala é a Somália da América Latina? Ou seria mais o Haiti da Ibero-América? O Estado guatemalteco cumpre com impecável tenacidade todos os requisitos para se transformar em um Estado falido, se é que ainda não o é: áreas do país -chamadas de corredores estratégicos- escapam ao controle das forças de segurança e são santuários do narcotráfico; 60 mortes violentas por 100 mil habitantes por ano, quando o índice na Espanha não chega a 3; a impunidade que sorri tanto para o que joga lixo na porta do vizinho quanto para o assassino industrial em série; e um governo indiferente, que prima pela passividade, em vez de prestar serviços ao cidadão.

AFP
Álvaro Colom, presidente eleito democraticamente: muitos o vêem como o último trem para a salvação da Guatemala
A Guatemala tem um novo presidente eleito democraticamente, Álvaro Colom, 57 anos, que tem o sangue-frio de se declarar social-democrata em meio a esse pandemônio, e muitos o vêem como o último trem para a salvação nacional, tarefa hercúlea para a qual conta com um Eliot Ness espanhol, como o chama o presidente da patronal, Carlos Zúñiga, cuja missão é reinventar a justiça. Como presidente da Comissão Internacional contra a Impunidade, o jurista Carlos Castresana, nomeado pela ONU por dois anos, deverá ser xerife e magistrado, policial científico e alquimista social. Sabe que sua ambição beira o milagre, mas é otimista porque pessimismo é apenas outra forma de dizer Guatemala.

O país centro-americano assinou em 1996 acordos de paz que quase pareciam consagrar a vitória da guerrilha, 200 mil mortos e três décadas depois de iniciado o conflito. Castresana explica que aquilo foi uma ilusão. Os serviços de espionagem do exército, que tinham se infiltrado na guerrilha, foram os verdadeiros vencedores. Não só nenhum dos compromissos democratizantes foi cumprido, como a incorporação dos guerrilheiros à vida civil derivou em massacre e a desmobilização de um exército reduzido em seus efetivos aos 15 mil atuais criou uma grande massa de manobra para o crime.

A professora de literatura e analista social Carmen Aida, da Fundação Myrna Mack, distingue quatro grandes causas de violência: criminalidade comum; bandos de jovens, as "maras", que já se conhecem na Espanha, que começaram como mecanismos de dominação territorial e hoje são máquinas de extorsão e poder; o crime organizado ou máfias que cultivam o narcotráfico; e violência autônoma, como a dos exércitos privados de "finqueros", militares desmobilizados e antigos patrulheiros civis que colaboravam com a milícia na guerra e que agora atuam freqüentemente por impulso ideológico para salvar o país. Para Aida, a Guatemala é uma macro-radiografia da dor.

Falência do Estado?
A socióloga e o jurista concordam, como praticamente o coro de personalidades consultadas, em que não há Estado falido, mas sim uma gravíssima perda de governabilidade, que empurra para o precipício. O empresário Zúñiga mede suas palavras como filigrana quando diz: "Se não se fizer algo será a perdição da Guatemala". E o diretor do jornal "Prensa Libre", Gonzalo Marroquín, lamenta que "o país tenha se acostumado a conviver com o fracasso".

O otimismo reservado de Castresana se baseia no fato de ele crer que algo importante mudou. "A elite compreendeu que se não apoiar com o esforço necessário, inclusive econômico, para a reformulação da Guatemala, perderá tudo." Até poucos meses atrás destacados representantes dos poderes reais e até do Estado se opunham à formação da comissão presidida pelo jurista, alegando que isso significava uma "perda de soberania"; mas Castresana replica que, ao contrário, é "soberania o que se tenta devolver ao país".

Muitas vozes indicam que foi o assassinato de três deputados de El Salvador na Cidade da Guatemala em fevereiro passado, com grande probabilidade pelas mãos da narco-máfia, o que acabou vencendo as maiores resistências à intervenção internacional. A comissão terá 150 especialistas, dos quais 40 já estão contratados, alguns deles espanhóis, e seu primeiro encargo será resgatar a Guatemala do paleolítico da investigação judicial. "Hoje só se pratica a prova testemunhal, de forma que o suborno e a intimidação eliminam qualquer testemunha, e o que é preciso é a prova científica irrefutável, para a qual é preciso adquirir tecnologia e formar a equipe para utilizá-la", diz Castresana. Não só Elliot Ness, mas também David Caruso, do "CSI".

O procurador para os Direitos Humanos Sergio Morales também se nega a admitir que isso seja a falência do Estado, mas a linguagem corporal não acompanha quando, com resignação bíblica, lembra: "De cada 250 mil crimes, só 240 investigações levam a julgamento". E a isso poderíamos acrescentar que há 250 assaltos diários a ônibus urbanos e interurbanos. Tomar um ônibus hoje aqui é a maior profissão de risco.

Mas Morales, uma fortaleza dentro do realismo, acrescenta: "Sou otimista porque não é produtivo ser pessimista". Há quem lembre com sarcasmo que há dois anos salvadorenhos pouco amistosos ergueram muros em um posto de fronteira nos quais se lia: "Bem-vindos a Guate (em letras pretas) Mala (em letras vermelhas que escorriam sangue)".

Novo presidente
O presidente eleito Álvaro Colom é o homem adequado, no momento adequado e no lugar adequado? Carmen Aida acredita que "ele improvisou tudo; o governo, no qual só há uma mulher e um indígena, adota muito mais um aroma de social-democracia do que verdadeira competência". E acrescenta que, embora o presidente exerça o poder formal, não está claro quais são seus apoios no poder real para prevalecer sobre o crime.

Monsenhor Álvaro Ramazzini, presidente da conferência episcopal, não acredita que o presidente anterior, Óscar Berger, conduzisse com acerto seus ministros, "e os congressistas também não sei o que faziam além de cobrar o salário". Com a exceção do titular do Interior, Carlos Vielmann. Ele diz que "não enfrentavam o problema", razão pela qual sente que é preciso dar um voto de confiança a Colom. Os entrevistados concordam que finalmente há esperança, mas não falta quem indique que quando Colom pronunciava seu discurso de posse e falava em ser "o privilégio dos pobres" exibia um relógio de ouro de 18 mil euros.

O embrulho guatemalteco ainda deveria ser mais labiríntico se levarmos em conta que os indígenas representam os dois terços mais pobres da nação. Mas a divisão étnica extrema, como conta o espanhol residente na Cidade da Guatemala, o escritor Francisco Pérez Antón, faz que "o indígena não tenha como população um papel significativo, porque não é leal a nenhuma ideologia, mas se move através de caciques clientelistas que negociam com o poder branco um apoio sempre submisso". E o crescimento do protestantismo evangélico, majoritariamente indígena, fomenta essa desmobilização política.

A Guatemala de Álvaro Colom tem, apesar de tudo, uma oportunidade. A UE, segundo fontes espanholas fidedignas, guarda na manga 25 bilhões de euros para consolidar essa reengenharia. O presidente sabe disso e só é preciso ter a decisão necessária para empreender a fundo a limpeza dos estábulos de Áugias.



Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

ÍNDICE DE NOTÍCIAS  IMPRIMIR  ENVIE POR E-MAIL

Folha Online
Reforma visual da Folha facilita a leitura; conheça as mudanças
UOL Esporte
Após fiasco de público, CBF reduz preços de ingressos para partida
UOL Economia
Bovespa reduz ritmo de perdas
perto do fim dos negócios

UOL Tecnologia
Fãs do iPhone promovem encontro no Brasil; veja mais
UOL Notícias
Chuvas deixam quatro mortos e afetam mais de 4 mil no Paraná
UOL Vestibular
Cotista tem nota parecida com de não-cotista aponta Unifesp
UOL Televisão
Nova novela da Record terá máfia e Gabriel Braga Nunes como protagonista
UOL Música
Radiohead entra em estúdio para trabalhar em disco novo
UOL Diversão & Arte
Escritor indiano Aravind Adiga ganha o Booker Prize
UOL Cinema
Novo filme dos irmãos
Coen tem maior bilheteria nos EUA





Shopping UOL

Gravadores Externosde DVD a partir
de R$ 255,00
Câmera Sony6MP a partir
de R$ 498,00
TVs 29 polegadas:Encontre modelos
a partir de R$ 699