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15/09/2009

Um ano depois da quebra do Lehman Brothers, uma nova ordem financeira está surgindo

Financial Times
Francesco Guerrera e Michael Mackenzie
Os telefones nos escritórios de Wall Street começaram a tocar na metade de uma tarde chuvosa de sexta-feira, 12 de setembro, enquanto o quente verão de Nova York começava a dar lugar a um outono mais fresco.

Enquanto o restante da cidade se preparava para o fim de semana, os titãs das finanças iriam trabalhar.

  • REUTERS/Shannon Stapleton

    Fachada da sede da companhia Lehman Brothers, em Nova York, em foto de setembro de 2008


"Eu recebi uma chamada às 17h, dizendo: 'Esteja no Fed às 18h", lembra John Thain, o então presidente-executivo do Merrill Lynch. "Isso só aconteceu algumas poucas vezes em meus 30 anos de carreira. É sempre ruim quando você recebe esse tipo de chamada."

Ele estava certo. Os presidentes de Wall Street foram chamados à sede como uma fortaleza do Federal Reserve de Nova York porque a situação era desesperadora. O Lehman Brothers, um dos maiores bancos de investimento do mundo, com 25 mil funcionários e ativos em 84 países, estava à beira de uma falência cujas consequências ameaçavam ser devastadoras.

A perda da confiança do investidor no Lehman provavelmente provocaria um efeito dominó que poderia varrer rivais como Merrill, Morgan Stanley e até mesmo o Goldman Sachs.

Para piorar ainda mais, o AIG, o gigante de seguros antes temido e respeitado em quatro continentes, estava ruindo sob o peso de apostas fracassadas em derivativos e precisava de mais de US$ 20 bilhões apenas para permanecer à tona.

Banqueiros e reguladores, liderados por Hank Paulson, o secretário do Tesouro americano, Ben Bernanke, o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), e Tim Geithner, presidente do Fed de Nova York, sabiam que tinham menos de 72 horas para agir. O fracasso em encontrar uma solução antes dos mercados abrirem na segunda-feira - há um ano hoje - mergulharia o sistema financeiro mundial no caos.

O fim de semana que se seguiu mudou o curso da história financeira. A decisão de permitir a falência do Lehman - tomada por um punhado de homens nos gabinetes do Fed de Nova York - causou uma parada quase fatal nos mercados de capital mundiais, forçou governos a injetarem trilhões de dólares no sistema financeiro e mudou permanentemente a forma do setor bancário.

Um ano após a falência do Lehman, os motivos para seu fim são tão conhecidos quanto as fotos dos funcionários deixando seus escritórios carregando caixas de pertences e com expressões de descrença. O banco, que 160 anos antes nasceu como uma loja de produtos em geral, acabou devido a um mergulho malfadado em ativos de imóveis no auge da bolha imobiliária americana e a uma dependência excessiva em fundos de curto prazo.

A firme recusa por parte do governo americano de resgatar o Lehman e as tentativas frenéticas, no final fúteis, dos bancos de Wall Street para formar um pool de recursos para compra dos ativos podres do Lehman, no final o empurram para além da borda.

Mas 12 meses após o Lehman se tornar a maior falência na história americana - e a aquisição de seus negócios por uma soma relativamente pequena pelo Barclays (nos Estados Unidos) e pelo Nomura (na Europa e Ásia) - há um debate sobre os méritos e repercussões de sua falência.

Teria o governo americano cometido um erro catastrófico ao abandonar o Lehman, ao não prever os efeitos desastrosos de sua decisão sobre os mercados globais e os bilhões de dólares públicos necessários para remediá-los?

E teria o fim do Lehman promovido uma nova era no setor financeiro, na qual os sobreviventes dividirão uma porção maior dos espólios, desfrutando de uma concorrência reduzida, tranquilos no conhecimento de que os governos não permitirão sua falência?

Geithner, atualmente o sucessor de Paulson como secretário do Tesouro, mantém que as autoridades careciam de poderes -não de antevisão- para salvar o Lehman. Ele também argumenta que a falência do banco foi um sintoma, não a causa da crise de crédito mais ampla.

"O Lehman Brothers foi uma baixa na linha de frente, mas não foi a causa da tempestade", ele diz. "Naquele fim de semana, a tempestade tinha tamanha força e impulso que, francamente, ela ameaçava todo o sistema. Nós todos sabíamos disso."

Nas palavras de Bryan Marsal, um especialista veterano em reestruturações que agora administra a massa falida do Lehman, o colapso do banco foi "um ataque cardíaco global nos mercados financeiros".

Com mais de US$ 600 bilhões em ativos ao redor do mundo e derivativos com um valor nominal de trilhões de dólares, o Lehman estava tão entrelaçado no tecido financeiro global que seu desaparecimento causou uma paralisia no sistema.

O colapso do Lehman, somado à venda do Merrill ao Bank of America e a tomada pelo governo americano do AIG logo em seguida, causou a liquidação de ativos mais sincronizada na história financeira. Com poucas exceções, os mercados de ações, títulos e dinheiro despencaram ao redor do mundo.

Mas, igualmente importante ao que aconteceu após a falência do Lehman foi o que parou de acontecer na economia global.

Os bancos não mais confiavam uns nos outros o suficiente para emprestar dinheiro, causando uma alta nas taxas de juros cobradas de empresas e governos. Um silêncio não familiar caiu sobre os centros globais de comércio. Com o congelamento do comércio internacional, navios ficaram ancorados vazios nos portos ao redor do mundo e fábricas fecharam, resultando na perda de milhões de empregos.

"Coisas consideradas certas em um sistema financeiro pararam", disse Mohamed el Erian, o presidente-executivo do imenso fundo de pensão Pimco, ao "FT" em abril. "E foi por isso que tudo caiu de um penhasco na economia global. (...) Foi uma mudança total do paradigma que levará anos para superarmos."

El Erian lembrou de ter passada toda madrugada das 3h às 5h sentado no caixa da Pimco - que geralmente cuida de tarefas rotineiras - para assegurar que o dinheiro do fundo estava seguro.

Aqueles que viram de perto a carnificina financeira pós-Lehman podem oferecer uma crítica dura à forma como o governo americano lidou com a crise. Como Thain, do Merrill, disse: "Permitir a falência do Lehman foi um erro tremendo... isso levou a centenas de milhões, se não trilhões de dólares, em prejuízos".

Os colegas de Paulson respondem que não tinham poderes e nem recursos para bancar o resgate do Lehman. Eles argumentam que antes da criação do programa de socorro a ativos problemáticos (Tarp) para resgatar os bancos, em outubro, o governo não podia garantir as obrigações de um grupo financeiro sem pedir permissão ao Congresso - algo que seria impossível naquelas momentosas 72 horas.

"O fracasso trágico do governo americano foi não dispor de autoridade legal cedo o bastante", disse Geithner. "Mas é preciso perguntar: por que os governos costumam agir tardiamente? Há uma profunda aversão a agir cedo. Há um senso natural de que é ofensivo injetar dinheiro público (nos bancos), então as pessoas esperam e esperam, tentando não fazer isso."

E diferente do Bear Stearns, onde o governo subscreveu a venda do banco de investimento em dificuldades ao JPMorgan Chase em março daquele ano, não havia compradores para o Lehman após o casamento do Merrill com o Bank of America, e o Barclays disse que não conseguiria a aprovação regulatória britânica.

"Foi um conjunto trágico de obstáculos que nos deixou em uma situação basicamente insustentável", disse David Nason, na época secretário-assistente do Tesouro para instituições financeiras.

Outros não estão tão certos. Marsal ficou atônito com o despreparo para a falência gigante do Lehman. Ele lembrou de estar em casa, assistindo futebol americano, quando o conselho do Lehman pediu para que ele assumisse o comando.

"A primeira pergunta que fiz foi quanto planejamento tinha sido realizado até ali", ele disse. "Eles disseram: 'Este é o primeiro telefonema'."

Os executivos do Lehman e conselheiros como Rodgin Cohen, um dos grandes estadistas de Wall Street, sentiram que o governo devia ter agido mais cedo para escorar as defesas do sistema contra uma falência como a do Lehman.

"Eu acho que a oportunidade perdida ocorreu realmente em agosto", disse Cohen, que é presidente da firma de advocacia Sullivan & Cromwell. "O que nós sabíamos àquela altura... era que havia um elemento psicológico substancial envolvido na falência de uma grande instituição financeira."

Quando o Lehman faliu, isso provocou grandes convulsões no setor bancário mundial. Em uma semana, o Goldman Sachs e o Morgan Stanley se tornaram holdings bancárias, livrando-se de seu status de banco de investimento para ter acesso à ajuda financeira do Federal Reserve e rechaçar o grande volume de vendas por parte dos investidores.

A decisão das autoridades de colocar o Goldman Sachs e o Morgan Stanley sob as asas do Fed logo após a falência do Lehman, somada à concessão de bilhões de dólares do Tarp para 10 dos maiores bancos do país em outubro, foi um momento divisor de águas.

Ele criou uma divisão entre ricos e pobres que abriu um novo capítulo na história de Wall Street.

O pacote de resgate do governo colocou bancos com maior saúde como o JPMorgan,. Goldman e, em menor grau, o Morgan Stanley, em uma posição ideal para lucrar com a menor concorrência e com a forte demanda por seus serviços.

Com o desaparecimento do Bear e do Lehman, com o Citigroup - que cedeu uma participação de 34% ao governo após vários resgates - e o Merrill Lynch feridos, e rivais estrangeiros como o UBS nas cordas, os bancos ainda em pé após a crise fizeram a festa. Por exemplo, o banco de investimento do JPMorgan - reforçado pela força do Bear em serviços lucrativos para fundos hedge - teve um ano estelar em 2008, registrando o feito raro de ocupar o topo, ou quase isso, em quase todas as categorias do setor.

E nos últimos dois trimestres, JPMorgan, Goldman, Morgan Stanley, Barclays e, até mesmo, o Merrill e o Citi, obtiveram lucros espetaculares no comércio de ativos mobiliários, à medida que os investidores aceitaram taxas mais altas para realizar negócios com um número menor de instituições.

Taxas de juros próximas de zero e programas de empréstimos do governo altamente subsidiados fizeram o resto, permitindo aos bancos ganhar dinheiro do modo antigo: tomando dinheiro de forma barata e emprestando a taxas mais altas.

O aparente retorno a uma era dourada bancária levou os sobreviventes pós-Lehman a retomarem alguns de seus velhos hábitos - colocando seus pés de novo em mercados de produtos estruturados e aumentando as estratégias de risco que juraram abandonar.

A reforma regulatória, proposta recentemente pelo governo Obama e atualmente tramitando no Congresso, poderia cristalizar esse domínio.

Em um esforço para evitar uma repetição da experiência traumática do Lehman, o governo americano quer criar uma categoria de bancos que são "grandes demais para falir" e colocá-los sob o olhar vigilante de um único regulador, provavelmente o Fed.

Em consequência, essas empresas provavelmente enfrentariam exigências de capital e regulatórias mais severas do que concorrentes menores -restrições que poderiam reduzir sua lucratividade e capacidade de pagar bônus elevados para os astros do setor bancário.

Mas esse poderia ser um preço pequeno a pagar se, como acreditam muitos especialistas, passar a ser visto como "importante ao sistema" pelo governo americano desse aos sobreviventes pós-Lehman uma vantagem significativa sobre a concorrência.

Como disse um executivo que participou do "fim de semana Lehman": "Nós sabíamos que as coisas nunca mais seriam as mesmas assim que entramos naquela sala. O que não sabíamos era que seríamos atingidos por um terremoto que mudaria a face das finanças mundiais".

Tradução: George El Khouri Andolfato

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