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01/08/2009

Perdido em um abismo de drogas, e emaranhado na pobreza

The New York Times
Alexei Barrionuevo, em Buenos Aires (Argentina)
O retorno para casa não se passou como Pablo Eche havia sonhado.

Após 15 meses em uma clínica de recuperação, lutando contra o seu vício em paco, a droga altamente viciante que acabou com milhares de vidas neste país, Eche retornou a Ciudad Oculta, um bairro pobre na periferia desta cidade.

  • Joao Pina/The New York Times

    Pablo Eche, 27, em Buenos Aires, em março de 2009

Os familiares, incluindo a sua mãe, Bilma Acuna, ativista da comunidade anti-paco, lhe deu as boas vindas em outubro do ano passado.

Mas o amor deles não foi suficiente. Em uma questão de semanas, tomado pela depressão por não ter sido capaz de encontrar um emprego para sustentar o filho e a filha, ele recorreu mais uma vez à droga em busca de consolo.

Descalço e sem camisa, com as costelas destacando-se no tronco magro, ele perambula pela restaurante de piso de concreto da família, usando um calção de futebol vermelho.

"Agora é isso que me faz companhia", diz Eche, referindo-se à droga, enquanto os olhos movem-se nervosamente. "O paco não exige nada de mim. Ele não me promete nada. Absolutamente nada".

Há mais de cinco anos Eche é escravo do paco, uma droga que é fumada. O paco é fabricado a partir de fragmentos de resíduo de cocaína misturados com solventes industriais, querosene e veneno para matar ratos. Chamado de "o flagelo dos pobres" pelos políticos, a droga transformou-se no maior desafio social enfrentado por favelas como Oculta.

No final de 2007, quando este repórter visitou pela primeira vez Eche na clínica de recuperação, ele falou com tranquilidade sobre os perigos do paco. Eche relatou os seus sonhos de superar o vício, conseguir um emprego e comprar uma outra casa, depois de ter destruído a última e vendido o terreno para sustentar o consumo da droga.

Mas, de volta a Oculta, Eche, 27, voltou a viver como um vampiro, evitando a luz do dia e saindo à noite em busca dos efeitos rápidos, mas intensos, do paco. O seu perigoso estilo de vida fez com ele virasse alvo da polícia, e Eche só escapou da cadeia ao internar-se em um hospital psiquiátrico no final de maio.

A mãe de Eche ajudou a criar o grupo Mães Contra o Paco, que tenta impedir que os jovens tornem-se vítimas da droga. Os olhos dela cobrem-se de tristeza quando fala do filho.

"Ele tem muito ódio dentro de si", diz Acuna, 48. "Todas às vezes que sai do tratamento é pior, porque ele não nem nada. Trabalho nenhum. Não há nada para ele fazer".

"A maioria dos usuários de paco volta a consumir a droga após passar um ano ou dois em tratamento", diz ela. "Ele retornam sem nada, para o mesmo local que os deixaram doentes".

Quando Eche voltou a Oculta, a sua mãe e o seu padrasto o ajudaram a encontrar um emprego no centro comunitário para crianças com problemas. Mas o salário era de menos de US$ 30 (R$ 56) por semana, a metade daquilo que ele havia esperado. A mãe dele diz que a ideia de tentar sustentar a família com essa soma modesta jogou o frágil Eche de volta ao abismo do paco.

  • Joao Pina/The New York Times

    Um policial fala com um homem preso por posse de cocaína em Buenos Aires em 10 de junho

Na década de cinquenta, Ciudad Oculta prosperou, sendo parte de uma onda de imigração do campo para a recém-industrializada Buenos Aires. A crise econômica de 2001 na Argentina agravou as perspectivas sombrias para os moradores de Oculta, diz Jorge Tasin, que publicou um livro sobre a favela em 2007.

O paco começou a chegar em 2003, como uma alternativa mais barata à cocaína, depois que a Argentina transformou-se em um dos destinos para o processamento final desta droga que vem da Bolívia e do Peru. A quantidade crescente de sobras de resíduos de cocaína tornou a criação do paco rápida e barata. Ele é vendido nas ruas pelo equivalente a até US$ 1,30 (R$ 2,42) a dose.

Antes mesmo de experimentar o paco, Eche tinha problemas. Em 2001, David, o seu irmão de 16 anos, foi morto a tiros por uma quadrilha de traficantes após ter testemunhado um assassinato em Oculta. Seis dias depois, Eche foi internado em um hospital psiquiátrico para o tratamento de estresse pós-traumático.

No final de 2003, ele experimentou o paco vendido por um traficante de rua em Oculta. Eche foi fisgado. O seu irmão, Leandro, também passou a usar a droga.

Os moradores de Oculta dizem que não confiam nos policiais locais, e acreditam que muitos deles estejam envolvidos com o tráfico de drogas. Assim, o grupo Mães Contra o Paco recorreu a um juiz federal, Sergio G. Torres, que ordenou uma série de operações da polícia federal para erradicar os traficantes.

Desde que a operação teve início, por volta de março, a polícia realizou 25 operações em Ciudad Oculta, prendendo 19 pessoas e apreendendo o equivalente a mais de 80 mil doses de paco, diz Torres. Os investigadores descobriram que em muitos casos o paco não era comercializado por grandes traficantes, mas sim por empresas familiares nas quais as mulheres fabricavam a droga nas cozinhas das suas casas.

Segundo o juiz, o paco tem em média apenas 10% de cocaína, e o resto consiste de substâncias extremamente tóxicas. "Os médicos que nós ouvimos disseram que as células nervosas e cerebrais começam a morrer assim que o consumo tem início", diz ele.

O paco também acaba com o apetite dos usuários, que literalmente morrem por não se alimentarem, diz Torres. A droga é tão nova que não existe uma metodologia de tratamento para acabar com o vício, diz ele.

Eche estava se consumindo diante dos olhos da mãe no final de maio, quando a polícia o prendeu por suspeita de posse de paco. Acuna interveio e conseguiu que um juiz anulasse o processo criminal, sob a condição de que ela internasse o filho em um outro hospital psiquiátrico.

Em 14 de junho, dia do aniversário de Eche, a família fez uma surpresa para ele no hospital. Eles comeram bolo em um pátio na companhia de um visitante inesperado - o filho de Eche, Enzo, 5, que obteve uma permissão especial para entrar na instituição. Eche começou a chorar quando Enzo correu para os seus braços, conta Acuna.

Ela é grata pelos pequenos fatos positivos. Por exemplo, com a gripe suína espalhando-se por Buenos Aires, ela diz que a internação de Eche no hospital impediu que ele dormisse nas ruas, onde correria um risco maior de contrair o vírus.

Daqui a um mês, Eche terá que deixar o hospital. A mãe dele diz que espera internar o filho em um outro centro de tratamento, que é administrado por uma igreja. "Preciso ter fé em que ele irá se recuperar", diz ela. "Elevarei novamente as minhas esperanças".

Acuna diz que, além das operações policiais, é preciso que os políticos combatam a causa da disseminação do paco. Os moradores de Oculta estão loucos por empregos com salários decentes, para ajudar a romper o ciclo de desesperança que está criando famílias inteiras de viciados em paco e traficantes, diz Acuna.

Ela e o marido dizem que esperam arranjar dinheiro para transformar o andar superior do seu restaurante em um centro integrado para a prevenção das drogas, empregando psicólogos e conselheiros profissionais

Acuna diz que só o próprio bairro é capaz de salvar Oculta.

"Isto realmente depende de nós".

Tradução: UOL

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