Caro presidente, Você não tem escolha. A próxima vaga no STF precisa ser de uma mulher e ela terá de ser negra. Não se trata de uma opção entre outras. É a única resposta que pode existir, num país erguido com base na exploração e onde as mulheres negras continuam na base de uma pirâmide social perversa. Na verdade, a própria ideia de que, uma vez mais, um homem branco escolherá quem fará parte da corte máxima do país já deveria ser uma constatação do fracasso do projeto de que todos somos iguais. Não se trata de uma concessão que nós faremos a elas. Insisto: a palavra "escolha" nem sequer faz sentido na construção de um Brasil compatível com a promessa da democracia. Um gesto de dignidade e de respeito seria o de consultar movimentos sociais, sociedade civil, juristas e ativistas negras para saber qual o nome elas escolherão. Não você, teus assessores e as lógicas nem sempre transparentes do Planalto Central. Sim, sabemos que não é isso que diz a Constituição. Mas nosso documento fundador da redemocratização tem um sentido explícito de cidadania. E colocar na corte uma mulher negra é um ato de cidadania. Não apenas para iniciar um processo para asfixiar a era da história única. Mas também para que meninas espalhadas por todo o país se sintam representadas. Que o sonho possa existir. A mulher branca, de olhos vendados e uma espada pendente é, portanto, apenas uma narrativa coagida, como diria a jurista e escritora Lívia Sant'Anna Vaz. "Foi imposta a ideia de uma Justiça eurocêntrica, brancocêntrica e grega", disse, numa referência à mitologia. Lívia traz a ideia de que a Justiça é uma mulher negra, sua coroa são seus cabelos crespos e a espada está em riste. Tudo isso por ela saber como é difícil a construção de uma Justiça para todos. Seus olhos? Jamais vendados. Jamais. Na visão da escritora, ao se manter com os olhos vendados, a Justiça que foi imposta tem apenas a capacidade de manter as coisas como estão. A preservação do status quo. Ou como Lívia diria: "privilégios para uns, desigualdade para muitos". Portanto, presidente, escrevo para insistir que a próxima vaga no STF não é tua. Ela tampouco pode ser de uma elite que, mesmo em sua ala progressista, não representa a visão, a história e os sonhos de milhões de brasileiras. Não se trata de uma escolha. É uma reparação histórica, uma confirmação do Brasil que queremos hoje e um passo decisivo à reinvenção do futuro. Ouse essa revolução. Saudações democráticas Jamil PUBLICIDADE | | |