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Manifestantes corajosos não cobrem rosto em protestos

Ana Paula Maciel

Especial para o UOL

15/03/2014 06h00

Trabalho no Greenpeace há quase 10 anos e neste tempo tive a oportunidade de participar de muitas ações diretas, sempre pacíficas e com o objetivo de testemunho e denúncia.

Durante esse período pude perceber que, muitas vezes, a ação pacífica é o gatilho para instigar a violência da contraparte, porque sempre há muito em jogo: a imagem da empresa denunciada, os prejuízos econômicos, o receio dos funcionários de perder o emprego e, acima de tudo, o medo da informação.

VIOLÊNCIA DO ESTADO

A repressão vivida na Rússia e a cavalaria brasileira para dispersar os protestos pacíficos são sinais de uma democracia doente

Uma faixa e a mensagem que ela carrega é o que fará toda a diferença. A empresa terá de mudar, pois a partir daquela ação o público em geral passa a conhecer o motivo pelo qual estamos protestando, e com um movimento em massa passa a pressionar determinada empresa.

Eu escolhi trabalhar para o Greenpeace porque me identifico com seus três pilares básicos de funcionamento: testemunho, pacifismo e independência. Sou ciente dos riscos envolvidos nas atividades que participo, não há como comprometer-se com uma causa desse tamanho sem correr riscos. Quanto maiores são os objetivos, maiores as consequências.

Já perdi as contas de quantas vezes tive armas apontadas em minha direção, porém protestos pacíficos fazem parte de uma democracia saudável e são sempre legítimos.

Entendo que a repressão vivida na Rússia e a cavalaria brasileira para dispersar os protestos pacíficos são sinais de uma democracia doente, pois os governos deveriam responder as demandas de seu povo e encontrar soluções para elas, e não encontrar formas de reprimir as pessoas de bem que saíram às ruas de cara limpa com coragem e esperança de mudança.

Protestos contra a Copa

A lei antiterrorismo para a Copa me assusta um pouco porque, se ela não for muito bem escrita e posta em prática com cuidado, ocorrerá uma banalização completa dos protestos legítimos e ficará clara a tentativa do governo de calar a liberdade de expressão.

Penso que qualquer um pode sempre ir às ruas e pedir de forma pacífica o que julga justo, porém é essencial manter uma identidade, ser corajoso o bastante para ser reconhecido e não cobrir o rosto, pois isso sempre provará que nada de errado esta sendo feito.

Manifestações

A lei antiterrorismo me assusta, porque, se não for muito bem escrita e posta em prática com cuidado, ocorrerá uma banalização dos protestos legítimos

Somos, com certeza, um país cheio de leis suficientes para enquadrar a maioria dos crimes, inclusive aqueles cometidos por pessoas de rosto coberto. Será que realmente precisamos de mais leis, ou será que é precisamos de um sistema judiciário que funcione, com um sistema penitenciário que reabilite?

Na Rússia, com sua suposta democracia, você precisa de uma autorização para fazer um protesto com mais de uma pessoa para não ser entendido como crime organizado. Mesmo com a autorização, todos vão presos no final, não importa. Uma única pessoa parada com um cartaz na rua é considerado legal, porém essa pessoa sempre vai presa também.

Não é para menos que organizações como a Fifa e o COI nos últimos  anos têm escolhido países notoriamente não democráticos ou pseudodemocráticos, como Rússia, Qatar e China. E a pergunta que me vem à mente é: será que a Fifa escolheu o Brasil sem querer? Ou será que tem tudo a ver com o momento político que estamos vivendo?

Gente, deixem a Copa acontecer! O problema não é a Copa, e o Brasil tem muito a ganhar com este bonito evento, que também servirá de termômetro para nossa tão bem estabelecida democracia. Essa será a prova de fogo, na qual protestos pacíficos deverão acontecer ao lado da grande festa, e não há nada de errado nisso. Vai que com o lucro da Copa o governo resolve finalmente investir em saúde e educação? Eu também sou brasileira e não desisto nunca.

Entretanto sempre devemos ter em mente que tudo o que fazemos causa uma mudança e tem um impacto. Devemos decidir que tipo de mudança ou impacto queremos ter nesse planeta. Eu já decidi: aprender sempre, fazer o meu melhor de acordo com o meu entendimento e limites. Respeitar e sempre ter esperança de um futuro melhor. Sem essa crença por que eu estaria lutando?

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