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Crise da água revela a inação do governo Alckmin

Alexandre Padilha

Especial para o UOL

21/03/2014 09h13

Sou médico, formado pela Universidade de Campinas, especialista em infectologia pela Universidade de São Paulo. Na faculdade de medicina aprendemos cedo que não investir na prevenção de doenças é a melhor forma de submeter o paciente a tratamentos de saúde, muitas vezes caros, dolorosos e demorados, quando não ineficazes.

O conceito de prevenção, na gestão pública, chama-se planejamento. Quando não há planejamento, sinônimo de prevenção, a conta vai parar no colo da sociedade. É o que está acontecendo neste exato momento em São Paulo com a gestão da água.

Apesar de todos os avisos, o governo Geraldo Alckmin não se planejou e deixou de realizar os investimentos necessários para que a companhia estadual de água, a Sabesp, montasse um sistema seguro de distribuição para a Região Metropolitana de São Paulo, que fosse à prova de estiagem, como determinavam os estudos técnicos.

Resultado: os moradores de Americana, Campinas, Cosmópolis, Itu, Santo Antônio de Posse, São Pedro, Sumaré, Valinhos e Vinhedo já recebem da Sabesp menos de dois terços do volume normal de água.

Descaso

Apesar de todos os avisos, o governo Geraldo Alckmin não se planejou e deixou de realizar os investimentos necessários para que a Sabesp montasse um sistema seguro de distribuição

Os habitantes de Barueri, Cotia, Embu das Artes, Santana do Parnaíba, Itapecerica da Serra e alguns bairros da capital já convivem com repetidas interrupções no fornecimento regular.

Em Guarulhos, mais de 850 mil pessoas já estão sendo afetadas pelo corte de 15% decretado pela Sabesp - de uma hora pra outra, tiraram de Guarulhos 24 mil litros de água por minuto. 

Algumas regiões da cidade ficarão um dia sem água a cada três dias. Outras receberão água dia sim, dia não. O prefeito Sebastião Almeida soube da decisão por e-mail, num gesto que mostra o desrespeito do governo tucano com a segunda maior cidade do estado.

Em suas declarações, Alckmin trata a crise do abastecimento de água como um fenômeno decorrente da falta de chuva. Como não choveu, diz ele, baixou o nível de água do Sistema Cantareira, um conjunto de seis reservatórios que abastece a Região Metropolitana de São Paulo e a Região Metropolitana de Campinas.

Armazenando em média 65% de sua capacidade máxima, o sistema que já teve meses com patamares superiores a 96%, começou a declinar a partir de maio do ano passado. Em agosto, atingiu 47% e não parou mais de cair: 37%, 32%, 27%, 22%, 16%. Na semana passada, estava com menos de 15%. Pela lógica do governador, os paulistas são vítimas dos desígnios da natureza.

Ora, a água não chega à torneira das pessoas, aos reservatórios das fábricas ou aos sistemas de irrigação pelo desejo da mãe natureza. A água precisa ser coletada em algum lugar, armazenada, transportada, tratada e distribuída segundo as necessidades da sociedade – de forma contínua.

Exige que uma autoridade determine a realização de obras de adução que contornem limitações ambientais, geográficas, financeiras e pluviométricas. Em Dubai, por exemplo, chove num ano o equivalente à chuva de dez dias de um janeiro seco em São Paulo. E mesmo assim as autoridades locais colocam água nos canos.

Planejamento

Existem problemas que aparecem de forma imprevista. O terremoto de Tangshan, na China, em 1976, que deixou mais de 200 mil mortos. A queda das torres gêmeas, em 2001. O tsnunami do Japão, em 2011. Difícil prever, difícil prevenir. Não é o caso da crise da água em São Paulo. O problema que o governo do PSDB joga no colo dos paulistas não foi criado por um acidente natural, feito um terremoto ou tsunami, nem é fruto de um ataque terrorista. Ele nasceu pelo colapso da gestão Alckmin.

Em 2004, era ele o governador do Estado quando a Sabesp, que já usava água do Sistema Cantareira há trinta anos para abastecer a Região Metropolitana de São Paulo, foi autorizada em caráter especial a manter a captação por mais dez anos. A condição para a manutenção da outorga era realizar, num prazo de dois anos e meio, um plano de investimentos capaz de diminuir a dependência do sistema. De tão fraco, o plano acabou recusado.

Em 2008, sem solução à vista, um documento preparado pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), órgão do governo estadual tucano, fazia um alerta sobre as limitações do modelo adotado para abastecer a Região Metropolitana de São Paulo. “A região não dispõe de dispositivos hidráulicos capazes de garantir o suprimento de água bruta quando da ocorrência de eventos críticos de escassez”.

Previsível

O problema que o governo do PSDB joga no colo dos paulistas não foi criado por um acidente natural nem é fruto de um ataque terrorista

Mais claro, impossível. Em 2013, quando os investimentos prometidos anos atrás ainda não tinham sido realizados, o DAEE produziu outro documento.

O alerta deu lugar a uma previsão sombria caso se repetisse a seca histórica de meados da década de 1950. “A redução na disponibilidade de água, superior a 40%, teria efeitos catastróficos sobre a população.”

Na melhor das previsões agora, se começarem logo, as obras que podem aliviar a crise precisam de mais de um ano para ficar prontas. Soluções permanentes levam quatro anos. Resta torcer para que chova – e pedir às pessoas que reduzam o consumo para evitar o mal maior.

Discutir programas de economia de água é uma atitude responsável e permanente. Não faz sentido algum lavar sempre o quintal em vez de varrer, deixar a torneira ligada enquanto faz a barba ou ligar o chuveiro e dar uma olhadinha na TV até a água esquentar.

Mas a discussão do combate ao desperdício, que envolve a conscientização da sociedade, integra o campo das preocupações ambientais, da sustentabilidade. Não foi essa razão nobre que nos trouxe para essa discussão. Foi o desespero de ficar sem água.

Nas últimas duas décadas, Geraldo Alckmin foi vice-governador durante seis anos e governador por nove anos. Em sua longa permanência no Palácio dos Bandeirantes, teve tempo de sobra para planejar uma forma de evitar a falta d’água. E não conseguiu.

Contradição

Agora, enquanto os técnicos tentam dar uma solução para o problema criado pela falta de comando, Alckmin fica dando entrevistas contraditórias. No dia 15 de fevereiro, autorizou o aumento da vazão do sistema Cantareira para Campinas, de 3 para 4 metros cúbicos por segundo.

Três semanas depois, anunciou o cancelamento do acréscimo, voltando a vazão novamente para 3 metros cúbicos por segundo. No dia 18 de fevereiro, descartou em entrevista qualquer possibilidade de racionamento na capital. No dia 9 de março, anunciaria uma redução de 13% no fornecimento de água do sistema Cantareira para a região. 

Racionamento

Para evitar o mal maior resta pedir às pessoas que reduzam o consumo, e torcer para que chova

São Paulo está diante de um paradoxo. Por um lado, o governo estadual bate bumbo em torno dos resultados financeiros da Sabesp, empresa listada na Bovespa e na Bolsa de Nova York, que lucrou mais de 4 bilhões ao longo da gestão Alckmin.

Por outro, os 24 milhões de habitantes que vivem entre Campinas e São Paulo disputam agora para ver quem sofre menos com a falta d’água, já que o Sistema Cantareira não tem nesse momento volume suficiente para abastecer as duas regiões metropolitanas nos patamares necessários. Investidores querem colocar dinheiro numa empresa que ganha dinheiro e distribui dividendos pela qualidade de suas operações.

O que farão ao constatar que a empresa atinge altas taxas de lucratividade ao mesmo tempo em que deixa de atender seus clientes, leia-se, os cidadãos?

Falta de ação

O episódio aponta com clareza uma das principais fraquezas do seu governo: a inação. A mesma inação que se vê na saúde, na educação, e na segurança, onde os bandidos levam 260 mil carros por ano e assaltam uma pessoa a cada dois minutos. A mesma inação que se vê também no transporte. Desde que assumiu seu último mandato, Alckmin entregou só cinco estações de metrô, uma delas com quatro anos de atraso.

Não por outro motivo, o metrô paulista, inaugurado em 1974, tem apenas 74 quilômetros de trilhos, enquanto o de Seul, na Coréia, com a mesma idade, tem 287 quilômetros. Quatro vezes mais. À inação para evitar o colapso, soma-se uma atitude preocupante quando ele chega, que é vir a público para dizer que tudo está bem quando o que se vê é exatamente o contrário. Falta de sinceridade e de transparência com todos os envolvidos, investidores e cidadãos, não é uma conduta ética. Não é assim que se honra a confiança depositada nas urnas. Não é assim que se cuida das pessoas.

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