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Partidos se beneficiam de cargos na Petrobras, e quem paga somos nós

Claudio Weber Abramo

Especial para o UOL

24/03/2014 06h00

Em 6 de fevereiro de 2012 participei da banca do programa Roda Viva (TV Cultura) que entrevistou o sr. José Sérgio Gabrielli, então nos últimos dias de sua passagem pela presidência da Petrobras. O apresentador era o jornalista Mário Sérgio Conti.

O programa tem algum interesse hoje devido à referência feita ao sr. Paulo Roberto Costa - ex-diretor de Abastecimento da Petrobras na gestão Gabrielli -, preso no último dia 20 de março no âmbito de uma operação da Polícia Federal que teve por alvo doleiros e seus comparsas.

Costa, que depois de sair da Petrobras abriu uma consultoria na área de energia, tinha em casa, em dinheiro, R$ 700 mil e US$ 200 mil.

Durante a sua gestão, a diretoria de Abastecimento foi responsável por diversos projetos polêmicos, entre os quais o da compra, em 2006, de uma refinaria em Pasadena (Texas, EUA), negócio que tem ocupado o noticiário por ter sido desastrosíssimo.

A aquisição foi realizada pela diretoria Internacional da estatal, então encabeçada pelo sr. Nestor Cerveró. A responsabilidade por sua indicação foi alvo de jogo de empurra entre os senadores Renan Calheiros (PMDB-AL, presidente do Senado) e Delcídio Amaral (PT-MS, ex-diretor da Petrobras).

Política

Como é que se faz a gestão de uma empresa se existe sempre o fantasma do interesse partidário?

Na marca de 21m45s do programa, formulei a Gabrielli a pergunta que transcrevo em seguida. Introduzo ligeiras emendas, tanto nas perguntas quanto na sequência, por vezes acalorada, com idas e vindas. Entre colchetes, adições explicativas.

Entrevista

Claudio Weber Abramo: Além do presidente, a Petrobras tem seis diretores. Na atual diretoria, quatro desses diretores foram indicados pelo PT e dois outros, o sr. Paulo Roberto Costa, que é diretor de Abastecimento, indicação do PP [por intermédio do ex-deputado mensaleiro José Janene, já morto, que mandava naquele partido, e cujo nome apareceu como associado dos doleiros que foram alvo da operação da PF mencionada acima] com apoio do PMDB do Senado [por meio do senador Renan Calheiros], e o sr. Jorge Luis Zelada, diretor da área Comercial, que foi indicado pelo PMDB da Câmara. [Neste ponto referi-me também a indicações políticas na BR Distribuidora, parte das quais de responsabilidade do senador Delcídio Amaral.] Não vou lhe perguntar se esses indivíduos foram indicados por esses partidos ou não. O que quero perguntar é: como é que se faz a gestão de uma empresa [...] considerando-se que existe sempre esse fantasma do interesse partidário? [...] A questão é a quais interesses eles respondem.

Gabrielli: Uma empresa dessa complexidade, com o tamanho da Petrobras, com o sucesso que a Petrobras tem, não pode ser gerida não profissionalmente. E o que é uma empresa gerida profissionalmente? Ela tem processos que são definidos regularmente para as decisões. Não há decisões individuais na Petrobras. Todas as decisões passam por comitês, todas as decisões passam por processos, há regras definidas, critérios definidos para as decisões, há mecanismos de avaliação e cheque de diferentes áreas para avalizar cada projeto, cada projeto passa por dezenas de disciplinas.

CWA: Então esses partidos e indivíduos [...] que ficam atrás de diretorias da Petrobras e das suas subsidiárias, eles estão alucinados? É uma ilusão? Os caras estão enganados? Não vai acontecer nada com aquilo lá [a partir da indicação]? Não é crível.

Gabrielli: Nós temos uma governança extremamente consolidada.

Conti: Mas não existem diretores indicados por partidos?

Gabrielli: Não é esse o problema.

Conti: Ah, mas é o problema.

Gabrielli: Eles têm a obrigação de seguir os procedimentos.

Conti: Mas então por que eles querem isso?

Gabrielli: Nós estamos numa democracia, meus senhores e minhas senhoras. Numa democracia em que os partidos são legítimos, em que os partidos representam o interesse do povo brasileiro. Ou vocês querem negar o direito dos partidos?

Conti: Mas numa empresa?

Claudia Schüffner, repórter do Valor Econômico: É uma empresa de capital aberto, com ações em bolsa. Isso não faz sentido.

Cida Damasco, editora-executiva de O Estado de S. Paulo: Qual é o interesse dos partidos?

Gabrielli: Os partidos participam da gestão do Estado. Por isso. Isso é parte da prática democrática.

Aparelhamento

Conforme a peculiar concepção de democracia que vigora não só na Petrobras mas em todo o poder público brasileiro, seria “prática democrática” uma empresa ser dirigida por indivíduos que devem seus postos a indicações políticas.

Corrupção

No negócio da refinaria de Pasadena houve imenso prejuízo, e dinheiro não se esfuma no ar, sempre estaciona no bolso de alguém

Muito diferententemente do que o sr. Gabrielli afirmou no programa em questão, não é concebível que indicações políticas se façam de graça.

No negócio específico da tal refinaria de Pasadena (entre outros, mas passemos) houve imenso prejuízo. Dado que dinheiro não se esfuma no ar, sempre estaciona no bolso de alguém.

Conforme Gabrielli, as decisões a respeito teriam passado por comitês, mecanismos de avaliação, checagens e “dezenas de disciplinas”.

Dados os fatos dos parágrafos acima, o eventual leitor que tire suas conclusões a respeito de quanto valem tais “disciplinas”.

Para além do episódio específico, resta a cansativa reiteração de que a maneira como o Estado brasileiro é gerido, através da ocupação generalizada dos postos decisórios por pessoas que devem obediência a interesses extra-profissionais, só pode resultar mesmo – e isso na melhor das hipóteses – em incompetência.

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