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Intervenção estatal na economia carece de transparência e resultados

Especial para o UOL

13/04/2014 06h00

Há vinte anos, Engerman e Sokoloff argumentaram que o processo de colonização da América Latina estaria na origem das instituições extrativistas que caracterizam a região, do seu atraso econômico e da sua elevada desigualdade de renda.

Desde então, um número crescente de trabalhos têm apontado a importância das instituições para a análise da história de desenvolvimento econômico de países, sistematizados em 2012 por Acemoglu e Robinson. Este artigo propõe que esse tema permanece relevante para a política econômica atual no Brasil.

Instituições definem as regras e os incentivos associados às escolhas individuais, estabelecendo os comportamentos que devem ser recompensados e os que devem ser desestimulados. Dependendo das regras, esses incentivos podem estar em maior ou menor medida associados a benefícios sociais.

Na maioria dos mercados, regras estáveis, transparentes e horizontais estimulam a concorrência e recompensam as empresas mais produtivas, resultando em menores preços ou maior qualidade dos produtos para o restante da sociedade. Por outro lado, instituições extrativistas significam a concessão de benefícios privados para alguns por meio da apropriação de renda gerada pelos demais, como no caso de subsídios.

A proteção perene à concorrência externa permite a sobrevivência de empresas ineficientes, implicando custos maiores para os demais setores e menor produtividade da economia. Da mesma forma, regras tributárias complexas beneficiam as empresas que investem na compreensão das sutilezas da norma, alocando recursos para o enfrentamento da burocracia ao invés de para o aumento da produção. Em um caso, benefícios privados decorrentes do incentivo a decisões que resultam em ganhos sociais; em outro, a expropriação, que desestimula a produção e os ganhos de produtividade.

O desenho institucional é igualmente relevante nos casos em que uma intervenção mais sofisticada por parte do setor público é requerida, como em setores de infraestrutura, e que levaram, em muitos países, ao desenvolvimento de agências regulatórias, com gestão independente do Poder Executivo.

Intervenção do Estado

No artigo Democracy and Growth in Brazil, sistematizamos a literatura acadêmica sobre instituições e crescimento econômico, e as particularidades do caso brasileiro. O artigo argumenta que o projeto nacional-desenvolvimentista, adotado no começo do século passado, compartilhava a natureza extrativista das instituições herdadas do passado colonial.

Tradicionalmente, no pensamento econômico, a concessão de privilégios e benefícios está associada à atuação de grupos de interesse e à troca de favores com agentes públicos. Nosso artigo, por outro lado, enfatiza o papel da ideologia na criação de grupos de interesse no caso do Brasil.

O projeto nacional-desenvolvimentista parte da suposição de que a superação do atraso econômico requer o apoio público ao surgimento de grupos relevantes em áreas selecionadas, os quais, posteriormente, liderariam o processo de crescimento. No caso do Brasil, isso significou a proliferação de agências e mecanismos públicos capazes de intervir localmente, conceder benefícios e privilégios a setores localizados, de empréstimos subsidiados a proteções contra a concorrência externa.

Mecanismos semelhantes existem em outros países. A diferença do caso brasileiro está na extensão e na multiplicidade dos instrumentos utilizados, assim como na falta de transparência dos custos requeridos e dos resultados obtidos.

Grupos e produtos semelhantes são submetidos a regras distintas tendo, como consequência, a complexidade das normas e requerimentos, das obrigações tributárias aos procedimentos de comércio exterior. Além disso, os benefícios privados decorrem da capacidade de obter o apoio das agências públicas, não da produção eficiente.

Custo elevado

As distorções e a complexidade das regras institucionais no caso brasileiro podem ser classificadas em cinco grandes grupos.

Primeiro, as distorções e complexidade das normas tributárias decorrentes das diversas exceções e a necessidade de mecanismos de controle para prevenir o seu uso inadequado. Segundo o TCU, as desonerações tributárias chegam a 5% do PIB apenas no âmbito federal, e as comparações internacionais apontam o maior custo privado no Brasil para fazer frente à complexidade da norma, além da insegurança jurídica decorrente da dificuldade em garantir o seu adequado cumprimento.

Segundo, a concessão de benefícios implica elevados impostos em comparação com países em estágio semelhante de desenvolvimento, sem, no entanto, a contrapartida de melhores serviços públicos. A carga tributária de cerca de 37% é comparável à da Argentina, sendo superior a dos demais países emergentes, em geral abaixo dos 30%, inclusive dos que oferecem melhores serviços, como educação pública.

Terceiro, o Brasil possui tributos que não passam pelo orçamento do governo, nem são deliberados anualmente pelo Congresso Nacional. O Sistema S é um tributo sobre a folha salarial diretamente transferido a um conjunto de instituições privadas, com pouco controle público e avaliação dos resultados obtidos.

Da mesma forma, o FGTS é uma poupança forçada dos trabalhadores diretamente transferida a um fundo privado administrado pela Caixa Econômica Federal, que financia investimentos e adquire participações em empresas privadas, com pouca transparência e avaliação dos resultados obtidos. Os dois programas em conjunto correspondem a cerca de 2% do PIB, quatro vezes, por exemplo, o orçamento do Bolsa Família.

Quarto, existem diversos subsídios cruzados impostos às relações de mercado. O spread médio do mercado de crédito é de cerca de 11%. O direcionamento do crédito, entretanto, resulta em um conjunto de setores que são beneficiados por spreads médios de 3% ao ano, enquanto o crédito livre enfrenta spreads médios de 20%.

O exemplo curioso da meia-entrada ilustra o subsídio cruzado decorrente da imposição de preços diferenciados para grupos de compradores. O benefício para alguns é financiado pelo maior preço pago pelos demais consumidores, reduzindo a sua demanda por esses bens ou serviços. O mesmo ocorre com as empresas no mercado de crédito livre, que têm seus custos aumentados em decorrência do crédito direcionando, reduzindo os benefícios do financiamento da produção e do investimento.

Quinto, as regras de conteúdo nacional e as proteções contra a concorrência externa prejudicam empresas que são obrigadas a pagar mais caro por insumos e bens de capital, com frequência de pior qualidade. A proteção a alguns ocorre à custa dos demais, muitas vezes com resultado negativo sobre o total da economia.

Protecionismo

A disseminação de mecanismos pouco transparentes de concessão de privilégios tem uma consequência negativa adicional, a criação de grupos de interesse cuja sobrevivência depende da sua manutenção. Um exemplo é a Zona Franca de Manaus. A tentativa de criação de um polo industrial na Amazônia não teve os resultados esperados.

Capital e trabalho ali alocados seriam mais produtivos em outras regiões do país, porém não parece existir mecanismo simples para a realocação dos fatores de produção. Por essa razão, talvez não exista alternativa a não ser preservar uma maior carga tributária de modo a financiar a produção menos eficiente na região, o que significa condenar o país a uma menor renda real do que seria necessário caso a Zona Franca não tivesse sido criada. O país descobre-se refém das políticas públicas de desenvolvimento que fracassaram.

As políticas de concessão de benefícios resultam em grupos de interesse, que se mobilizam pela sua preservação. Em contrapartida, os custos dessas políticas são pagos de forma difusa e com pouca transparência pelo restante da sociedade por meio de maiores impostos, pior evolução da produtividade ou menor crescimento econômico.

Políticas de proteção a grupos escolhidos, das famílias com menor renda a projetos de desenvolvimento de setores escolhidos, são comuns nos diversos países. Nosso artigo enfatiza a disseminação desses mecanismos no Brasil, a falta de transparência da política pública e a pouca avaliação dos resultados.

Trata-se de uma discussão, portanto, sobre a extensão e os procedimentos para deliberação dessas políticas, menos do que sobre a sua eventual ocorrência. Além disso, a forma como as políticas são realizadas torna mais difícil a sua superação em caso de fracasso.

O caso do Sistema S e do FGTS, por exemplo, contrasta com o Bolsa Família, uma política de transferência de renda a grupos sociais claramente definidos, cujos recursos são deliberados no orçamento da União e que tem sido objeto de extensa avaliação por trabalhos acadêmicos.

Existem bons argumentos para a maior intervenção pública, assim como controvérsia sobre a eficácia das soluções de mercado em vários casos. Menos do que os fins, discutimos os meios, as regras e procedimentos para deliberação democrática e gestão das políticas públicas. Diversos trabalhos acadêmicos apontam os possíveis benefícios de políticas de proteção a setores específicos, desde que acompanhados de mecanismos que garantam a sua posterior remoção.

Além disso, a sociedade pode se beneficiar da dissociação entre a formulação das políticas, que caberia aos Poderes diretamente eleitos, Executivo e Legislativo, e a sua gestão por agências públicas independentes do Poder Executivo, com alçadas e metas de desempenho bem definidas, administradas por gestores nomeados pelos Poderes eleitos, como no caso do Banco Central e das agências regulatórias.

Transparência

Nosso artigo conclui com duas medidas para auxiliar na deliberação das políticas públicas. Primeiro, que todo benefício passe pelo orçamento público e seja deliberado pelo Congresso Nacional. Não devem existir privilégios adquiridos nem obscuridade dos custos sociais da política pública.

Se a sociedade decide beneficiar um setor específico, que os recursos sejam alocados no orçamento e contrapostos às opções existentes, como a redução da carga tributária ou outras formas de intervenção.

Segundo, que haja transparência das metas da políticas públicas e a possibilidade de acompanhamento por setores independentes do Executivo dos resultados obtidos. A sociedade deve ter acesso aos custos e benefícios das políticas e a possibilidade de deliberar democraticamente sobre a alocação dos recursos.

Como escreveu o juiz da Suprema Corte Americana Luis Brandeis, a luz do sol é o melhor desinfetante. 

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