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Panorama econômico não justifica medidas de proteção ao emprego em montadoras

Especial para o UOL

08/05/2014 06h00

"A indústria automobilística será amparada pelo meu governo, que procurará atrair novos empreendimentos." A frase, proferida pelo então presidente Juscelino Kubitschek – em setembro de 1956, durante a inauguração de uma fábrica no ABC paulista –, marcou um período no qual o setor ainda engatinhava no Brasil.

Mais de cinco décadas depois, a indústria automotiva mostrou desenvolvimento e amadurecimento. As ideias de política econômica, porém, nem tanto.

A nova proposta em discussão entre entidades, sindicatos e o governo trata da possível criação de um sistema de proteção ao emprego na indústria automotiva, segundo o jornal "O Estado de S. Paulo", em matéria de 22 de abril.

O incentivo estudado seria uma adaptação do tradicional layoff, no qual os funcionários são afastados por, no máximo, cinco meses, e parte dos salários é bancada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), cuja fonte principal de recursos consiste na arrecadação do PIS e do Pasep.

Porém, no modelo em discussão, a dispensa não seria integral (redução de 20% a 50% da jornada), e os salários associados às horas reduzidas seriam bancados primordialmente pelo FAT. O afastamento poderia chegar a dois anos. A inspiração seria o esquema de trabalho parcial da indústria na Alemanha.

Vamos por partes. Em primeiro lugar, o layoff, de fato, está previsto na CLT. Muitas montadoras têm recorrido ao mecanismo para ajustar seu ritmo de produção à demanda interna e externa – assim como às férias coletivas e aos programas de demissão voluntária.

Está, portanto, no contexto da rígida e primitiva legislação trabalhista brasileira. Há salário, mas não há trabalho. Quem paga? Os contribuintes.

Em segundo lugar, a inspiração: a indústria automotiva alemã. Poderíamos nos espelhar na sua orientação exportadora, na sua eficiência produtiva ou na sua capacidade inovativa (lá, o setor responde por 25% de todo gasto nacional em P&D).

Mas querer replicar um mecanismo de proteção ao emprego – o chamado Kurzarbeit, que, aliás, é desenhado para períodos de recessão e elevada ociosidade – pode ser pernicioso. Inclusive, em setembro de 2012, uma comitiva brasileira foi conhecer de perto o sistema, no auge da crise do mercado de veículos pesados no Brasil.

Como declarou Martin Leutz, da associação alemã do setor elétrico e metalúrgico, o mecanismo se mostrou muito útil na crise internacional de 2008, quando houve forte choque de demanda, que depois resultaria em retração de toda economia global. Medidas nessas circunstâncias são justificáveis em qualquer lugar do mundo.

Porém, qualquer um há de concordar que esta não é a situação atual. Segundo as projeções da Tendências, o crescimento mundial deve atingir 3,7% ao ano no período entre 2014 e 2016, contra 2,9% entre 2008 e 2013.

Perspectivas econômicas

Estados Unidos e países centrais da Europa mostram recuperação moderada e, apesar da desaceleração na China, dificilmente o país crescerá muito abaixo da sua meta – mantendo elevada sua contribuição no crescimento mundial.

Já no âmbito doméstico, a economia segue em marcha lenta, mas a taxa de desemprego permanece muito reduzida. A saída de pessoas da força de trabalho é a principal responsável pela sua queda (razão entre o número de ocupados e a população economicamente ativa). A geração de empregos, por sua vez, mostra perda de dinamismo desde 2013.

Mas o panorama não justifica, de modo algum, medidas de “proteção ao emprego”, que ainda acarretam impactos no orçamento público. Há uma agenda de ações e reformas muito mais relevantes para a economia brasileira, e a condução de uma política fiscal consistente é essencial para a recuperação da credibilidade e do investimento no país.

Ademais, esforços para fortalecer o setor já têm sido conduzidos no governo, especialmente a partir de 2009: desonerações tributárias na comercialização, incentivos financeiros para novas fábricas, linhas de crédito nos bancos públicos, barreiras à concorrência internacional e até redução artificial do preço do combustível.

E foi também na última década que o setor surfou no boom do varejo, descentralizando seu mercado e praticamente dobrando a densidade de veículo por habitante, que ainda é muito reduzida em relação aos seus pares internacionais, quando consideramos a evolução da renda per capitabrasileira.

O setor passa agora por um momento de transição, os drivers de demanda não são tão favoráveis no curto prazo, mas seu potencial para os próximos anos é bastante elevado.

As regiões Norte e Nordeste – que têm a menor densidade de motorização – devem ser os destaques de emprego, renda e crédito até 2018, segundo estimativas da Tendências. Esse mercado potencial é o verdadeiro incentivo que as empresas enxergam ao decidir por novas plantas e ampliações de capacidade no Brasil.

O papel do governo deveria se limitar às reformas estruturais, com desburocratização do sistema tributário e das relações trabalhistas, e implementação de políticas horizontais, direcionadas a todos os setores.

Isso sim garantiria o emprego de muitos trabalhadores nos ciclos econômicos, sem precisar se valer da filosofia do “almoço grátis” em que tanto se inspira a atual equipe econômica.

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