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Corrupção não pode ser exterminada pela sociedade

Especial para o UOL

20/05/2014 06h00

O Brasil daria perfeito laboratório de testes. Na esteira do festival de escândalos que assola o país, sobram exemplos que ratificam as teorias e paradigmas experimentais sobre corrupção e desonestidade. Quais lentes de aumento, eles corroboram resultados apenas obtidos em escala minimalista.

Sabe-se que desonestidade não guarda relação com a racionalidade da análise de custo-benefício das situações. Corruptores e corruptos geralmente dão as costas para a probabilidade de serem flagrados ou punidos.

Falseia-se, caloteia-se, corrompe-se, suborna-se, trapaceia-se. Tira-se proveito da ação. Sucumbe-se às tentações buscando um equilíbrio entre o ato desonesto e o seu oposto, de modo a preservar uma autoimagem de cidadão respeitável, probo, adaptado à vida em sociedade, bom pagador, cumpridor das regras mínimas da Receita Federal.

Mas isso apenas se aplica aos "normais", a maioria de desonestos miúdos. Aqueles que se dão ao trabalho furtivo e aos riscos mesquinhos de surrupiar papel do escritório, balas do supermercado, travesseiros do avião, cinzeiros do hotel. Atos que não põem em risco os laços e compromissos responsáveis pelo equilíbrio social.

Mas, o que assombra nos últimos escândalos no país é a dimensão desvairada e ameaçadora às regras do jogo político e à ordem social com o custo da corrupção. Se antes se costumava avaliar em 10% a porcentagem máxima a título de suborno, agora se sabe que galgou a estratosfera de 50% disfarçados em negócios de fachada protagonizados por empresas de papel ou, em acepção grosseira, "lavanderias".

Se os limites da propina costumavam estacionar em quatro algarismos, agora se sabe que é o céu de dez algarismos que rende independências financeiras, carreiras políticas, aportes financeiros para partidos e projetos de poder. São negociatas de bilhões de reais dissimulados em esquemas de lavagem de dinheiro.

A glutonaria é mais sôfrega quando ao banquete são convidados gestores de grandes empresas públicas e seus fornecedores, potenciais alimentadores do banalizado "caixa dois" de candidatos e partidos políticos.

Nesse contexto, os gestores politicamente "indicados" não apenas fazem o que já se convencionou chamar de captação, mas articulam contratos por critérios contrapostos à competência e aos interesses legítimos da administração pública e da sociedade. 

Não que a corrupção seja fenômeno passível de extermínio pelas graças e dons de uma sociedade, a contar com a consciência dos cidadãos e a boa vontade ou índole dos governantes - em maior ou menor grau, ela existe em todas as sociedades.

Lamentavelmente, seu oposto tem sido elevado a atributo distintivo de candidatos e programas de governo, ao invés de ser qualidade naturalmente encorajada como condição idealizada do exercício do poder político.

Essa ambiguidade talvez decorra do desconforto crescente da sociedade civil para com a indulgência das nossas autoridades face às extensas fraturas éticas que, cada vez mais, permitem antever submundos corrompidos.

Poder público

Embora admitamos, “como experiência eterna, que todo homem que tem poder é dado a abusar dele” (Montesquieu), como aceitar que um agente público, quando dirigente da maior estatal brasileira, tenha elegido a corrupção como objetivo maior?

Seu lema, impudentemente escrito numa banal caderneta repleta de anotações da contabilidade da corrupção, reproduziu e deturpou o desencanto ferino e irônico de Millôr: "Acabar com a corrupção é o objetivo supremo de quem não chegou ao poder".

Destino dos que galgam o poder? Não, apenas mais um caso de corrupção doentia, marcada por uma desmedida flexibilidade dos padrões morais a justificar os interesses ímprobos. Pena que não são poucos os contagiados.

Não é difícil deduzir algumas das maiores causas desse estado de ruptura ética que perpassa o tecido social. As portas da corrupção se abrem quando regras são maleáveis às interpretações múltiplas e discrepantes; quando autoridades são liberadas para qualificar o próprio desempenho ou justificar as próprias ações.

Não são poucos os estarrecidos com as contradições dos recentes depoimentos anêmicos de responsabilizações; quando ações de agentes públicos, mesmo que emocionalmente distantes da execução do ato corrupto, são elos de uma corrente articulada de laranjas, “indicados”, lobistas e doleiros; quando agentes indicados, transformados em "captadores" ou "colaboradores" a serviço dos indicantes, são postos às escâncaras em situações geradoras de conflitos de interesses.

Favores abrigam um custo oculto, incentivam retribuições e consolidam relações espúrias; políticos aceitam doações de empresas e lobistas em troca de legislação, de influência em contratos e licitações país afora.

Fala-se muito na transparência como medida inibitória da corrupção. No entanto, ela nem sempre permite o reconhecimento da real extensão do poder dos conflitos de interesses.

Sabe-se que, em alguns países, a exemplo da Alemanha, as regulamentações e fiscalizações austeras são muito mais eficientes no controle dos conflitos de interesses e, por consequência, na quebra das correntes vergonhosas. No nosso país, falta exigi-las. 

A virtude na lide com a coisa pública, por desacreditada que seja, brota no mundo subjetivo e se espraia pelos códigos do poder, em que os consensos éticos são parte da racionalidade pragmática essencial à verdadeira política. Mas, no Brasil, falta diálogo para alcançar consensos e fazer boas escolhas.

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