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Recusa em tomar vacinas é fenômeno histórico que deve ser combatido

Especial para o UOL

03/06/2014 06h00

Recusa de vacinas é um fenômeno histórico, que remonta ao surgimento dessas fantásticas estratégias de proteção da saúde. Edward Jenner, médico e cientista inglês, pioneiro na utilização de vacina contra varíola, numa época de grande epidemia, enfrentou desconfiança sobre a utilidade e segurança de sua descoberta, mesmo após experimentos humanos de resultados surpreendentes.

Nos dias de hoje, depois de provado o conceito da imunização, que pode ser robusta e duradoura, através de estímulos com substâncias desenvolvidas com esse fim, a questão da segurança (eventos adversos) costuma ser o ponto de crítica principal de grupos contrários, que causam comprometimento da adesão às campanhas e programas básicos de vacinação.

É importante dizer que todo procedimento médico-farmacêutico tem um risco potencial embutido. A questão é avaliar risco versus benefício. As vacinas estão entre as maiores conquistas da humanidade.

Estima-se que evitam-se 2,5 milhões de mortes anuais com as vacinas do calendário vacinal básico, em todo mundo. Raros são os eventos adversos sérios, como anafilaxia (choque anafilático). A larga maioria são eventos de pequena monta, como dor e rubor no local da aplicação, febre baixa e mal estar no corpo.

É de se compreender que na medida em que alguns problemas graves foram superados (sarampo, por exemplo), em certas comunidades esses grupos populacionais passam a perceber mais os riscos da vacina do que seus benefícios. Principalmente, quando passamos a valorizar, nesse contexto em desmedido valor, o naturalismo como melhor estratégia de vida: “A imunidade desencadeada pela doença é superior à da vacina”.

Esquecendo que a doença faz sofrer e morrer, em percentual muitas vezes maior que os eventos adversos graves - raros como já dissemos -, relacionados às vacinas. Argumentam, ainda, que os estímulos vacinais em grande carga poderiam desencadear doenças autoimunes, como reumatismos e outras patologias degenerativas, ligadas ao fenômeno, através das quais o sistema imunológico do indivíduo começaria a atacar proteínas e outras moléculas das células dos tecidos do seu próprio organismo.

Além dos naturalistas, poderíamos juntar a esses os adeptos da medicina antroposófica e quiroprática. Houve, por erros científicos - e até de natureza ética - publicações de estudos que propiciaram falsos argumentos a esses grupos. Apenas para citar o mais emblemático, um médico britânico publicou um artigo, em importante revista médica mundial, relacionando os conservantes da vacina tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) com o aparecimento de autismo em crianças expostas.

Depois de alguns anos, descobriu-se que havia erros e até fraude nos dados do pesquisador, que motivaram a cassação do seu registro profissional. A revista retirou o artigo de sua base de dados. Além da grande repercussão inicial, até hoje pesa sobre o fato, pelo menos em grau significativo de colaboração, a recrudescência de sarampo em alguns países da Europa devido a essa publicação de baixa qualidade científica.

Como complicador, somam-se os argumentos radicais religiosos. O conceito mais grosseiro talvez possa ser descrito como: se Deus nos enviará uma doença, não devemos tentar obstruir os seus planos. Os fundamentalistas islâmicos ganham destaque atual nessa posição, fazendo de países como Paquistão, Afeganistão e Nigéria os líderes mundiais de casos de poliomielite e de baixas coberturas vacinais.

Outros grupos religiosos conservadores cristãos, entre eles o americano Family Reasearch Council (FRC) - que também se posiciona contra o aborto, homossexualidade, divórcio, transfusão de hemoderivados e estudo com células embrionárias -, têm contribuído para suscitar dúvidas na comunidade, sobre efetividade e segurança das vacinas. Recentemente, moveram campanhas contra a vacinação para o HPV (papiloma vírus humano), relacionado com as verrugas genitais e o câncer de colo uterino.

Dr. Guido Carlos Levi, infectologista associado da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), publicou recentemente um livro muito interessante sobre o tema da recusa de vacinas, com maior detalhamento dessas questões. Recomendo a leitura.

Em resumo, motivos religiosos ou filosóficos e desinformação quanto a riscos de eventos adversos são os principais motivos para a recusa de vacinas, que devemos combater em prol da melhoria da qualidade de vida do indivíduo e, principalmente, da coletividade. A recusa de vacina de um pode significar o sofrimento e morte, por doença, de vários outros.

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