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Joaquim Barbosa quebrou complexo de que ladrões de milhões não vão para a cadeia

Especial para o UOL

04/06/2014 06h00

A notícia da aposentadoria voluntária e prematura do ministro Joaquim Barbosa pegou a todos de surpresa.

A uma, porque ainda lhe restavam seis meses na presidência do STF (Supremo Tribunal Federal) e dez anos de permanência como ministro da Suprema Corte - visto que tem menos de sessenta anos de idade - achando-se, portanto, na faixa etária em que muitos postulantes pretendem chegar ao tribunal, do qual ele antecipada e desprendidamente se despede.

A duas, porque a data limite de sua aposentadoria a não lhe retirar a condição de elegibilidade para eventual candidatura nas eleições que se aproximam seria 4 de abril. Superado esse prazo, como foi, a sua candidatura a cargo eletivo deve ser excluída do horizonte das coisas possíveis.

Dessa circunstância podem ser extraídas algumas ilações relevantes. A mais destacada delas é a de que a obstinação de Joaquim Barbosa para julgar a Ação Penal 470, o chamado mensalão do PT, e os duros votos por ele ali proferidos, ao contrário do que alardeavam os seus desafetos, não eram motivados por propósitos ou ambições eleitoreiras.

Se Joaquim Barbosa tivesse deixado a presidência do STF para se candidatar a presidente da República ou a senador pelo Estado do Rio de Janeiro - como propagavam seus adversários -, teria ele desqualificado as suas corajosas posturas de que resultou a quebra para sempre do complexo do brasileiro com profundas raízes históricas e sociológicas, segundo o qual os ladrões de milhões não vão para a cadeia.

Agora não pode haver nenhuma dúvida razoável de que Joaquim Barbosa, ao proferir seus votos contudentes, com gestos severos e palavras cortantes, nada mais fez senão dar vazão às suas convicções jurídicas, elaboradas na ótica e no contexto de sua visão do mundo.

Muitos o acusavam de ter tido uma condução rude e mesmo sem neutralidade. Mas para um processo com 40 réus, com 40 advogados criminalistas dos mais talentosos, consagrados, experientes e sérios do país, não haveria modo de fazê-lo prosseguir se permitisse postergações dispensáveis, desde que sem afrontar garantias processuais constitucionais.

A outra censura foi a de que não teria tido neutralidade. Do juiz deve-se exigir imparcialidade, nunca neutralidade, pois que não há juiz neutro (aliás, não há ninguém neutro), dado que ele julga com sua carga de vivências, ideologias, esperanças, realizações e frustações.

Devo anotar que esses seus posicionamentos na função de julgar, sem embargo do que dito acima, sofrem exaltadas oposições de juristas destacados na percepção de que o ministro Joaquim Barbosa foi além do que o sistema jurídico permite, em termos de ativismo da magistratura.

Essa é uma outra visão e um modo diverso de considerar-se o papel judicial, que tem a seu favor o peso das tradições liberais, que tanto zelamos e prestigiamos, e a que eu, pessoalmente, muito me afeiçoo.

Aliás, essas convicções contam com o peso do que sustenta o ministro Ricardo Lewandowski, que as defendeu com coragem e sem inibições, enfrentando incompreensões descabidas, sem se curvar às injustas críticas que recebia, o que mostra a dimensão de seu caráter e de sua força moral.

Anote-se, por fim, que o resultado produzido no julgamento do mensalão do PT espelha uma decisão colegiada que teve o apoio da maioria dos ministros do STF.

Por isso, não se pode dizer que o julgamento se deu por motivações ressentidas, impulsos vingativos ou represálias guardadas. Ainda que seja colegiada, a decisão pertence primariamente ao relator Joaquim Barbosa.

Para ser mais preciso, no imaginário popular a decisão é como tivesse sido somente dele. Ao fim e ao cabo, este é o resumo do julgamento, visto somente na sua versão conclusiva.

O balanço do tempo e das condutas em que o ministro Joaquim Barbosa atuou lhe é abertamente favorável. Se pode ser identificado nesse balanço algo que mereça ressalva (ou não mereça aplauso) isso deve ser debitado a outros fatores, que não servirão para reduzir a sua importância estratégica e inestimável à mudança dos costumes judiciários do nosso país.

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