Topo

Só reajustar planos de saúde não resolve crise das seguradoras

Especial para o UOL

13/06/2014 06h00

No calendário da saúde suplementar, junho e julho marcam a temporada de reajustes e um momento crítico para operadoras e usuários de planos de saúde.

Este ano não deverá ser diferente, porque, embora não se saiba ainda quais índices reajustarão os planos, uma coisa é certa: desagradarão a todos – consumidores, empresas e entidades contratantes, assim como operadoras, médicos e outros prestadores de serviço.

Na origem do descontentamento geral está o fato de que nem a renda dos beneficiários, nem o orçamento dos contratantes e o faturamento das operadoras acompanham o aumento dos custos assistenciais.

Na realidade, o que se assiste é a uma escalada de custos que põe em risco a sustentabilidade do setor e o acesso de uma grande parcela da população ao sistema.



É verdade que as receitas da saúde suplementar deram um salto nos últimos anos. Entre 2007 e 2013, acompanhando o aumento na base de beneficiários – que foi de 39,3 milhões para 50,3 milhões de pessoas – a receita das operadoras de saúde foi de R$ 51,1 bilhões para R$ 106,7 bilhões.

O salto na receita foi grande, como foi grande a mudança no panorama da saúde brasileira proporcionada pela expansão dos planos. Mesmo com todos os problemas que ainda precisam ser resolvidos, é importante reconhecer que a saúde suplementar contribuiu de fato para melhorar a assistência à população – em 2013, os planos de saúde realizaram mais de 1 bilhão de procedimentos, entre consultas, exames, terapias e internações.

Efetivamente, a saúde suplementar se colocou como alternativa de complementação de um sistema público que, com todos os seus méritos, não dá conta sozinho da demanda existente.

O fato preocupante nesse processo é que a despesa tem crescido mais depressa que a receita. Em 2007, o gasto assistencial de R$ 41,2 bilhões consumia 80,6% da receita total; em 2013, subiu para R$ 88,3 bilhões, representando 82,7% da receita. A esse custo se somam despesas com administração, comercialização, impostos etc.

Pagas todas as contas, as margens líquidas de remuneração das operadoras foram inferiores a 1% e, para muitas, têm sido negativas – como mostram os prejuízos de várias delas em 2013.

A combinação de custos crescentes, margens em queda e planos com preços proibitivos não beneficia a ninguém. Ao contrário, pode provocar um retrocesso em todos os sentidos. E, o que é pior, com consequências graves para o acesso dos usuários dos planos à assistência.

Um dos efeitos dessa situação sobre operadoras e empresas prestadoras de serviço - hospitais, clínicas, laboratórios - é a diminuição da capacidade de investir, o que dificulta a expansão das redes de atendimento e agrava o descompasso entre oferta e demanda.

Outro é o estrangulamento da atividade, que tem obrigado muitas operadoras a sair do mercado – em 2006 havia 2065 empresas em atividade no setor; em setembro de 2013, esse número havia caído para 1487.

Soluções

Diante desse quadro, a questão que se coloca, seja para operadoras de saúde e prestadoras de serviço, seja para usuários, empresas contratantes e poder público, é a seguinte: como evitar o agravamento desse processo e, ao mesmo tempo, estabelecer as bases para um desenvolvimento equilibrado do sistema?

O caminho para afastar a crise passa pela busca de soluções para as principais causas de aumento do custo assistencial. Entre elas, o custo das órteses, próteses e materiais especiais, que têm grande peso na conta da saúde e são inflacionados por um sistema de comercialização que necessita de transparência, regras e fiscalização.

Há também o problema da incorporação de novas tecnologias cuja utilização, muitas vezes exagerada, tem de ser moderada pela adoção de diretrizes clínicas que protejam o paciente e evitem custos desnecessários. Depois, há a elevação dos gastos devido ao envelhecimento da população, fruto da mudança do perfil demográfico.

A esses fatores somam-se os custos decorrentes de algumas decisões da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), como a Resolução Normativa 259, que traz as normas de prazos máximos de atendimento, com sanções severas, apuradas por meio de processo tecnicamente questionável.

Cabe questionar, por exemplo, se é razoável termos prazos de atendimento muito mais curtos do que os adotados em países desenvolvidos, como Reino Unido, Suécia e Canadá, uma vez que o estreitamento de prazos impacta fortemente os custos assistenciais, já tão pressionados. A mesma preocupação deve estar presente ao decidir-se sobre a inclusão de novos itens no rol de procedimentos obrigatórios.

Além disso, é preciso buscar soluções para conter a crescente judicialização da saúde. Ao impor às operadoras a cobertura de procedimentos não previstos nos contratos (e que são a base de cálculo atuarial dos planos), a judicialização acaba por favorecer a uns poucos consumidores e penalizar a grande maioria, pois, em nosso sistema mutualista, o aumento de gastos decorrente dessas demandas, inevitavelmente, terá de ser repassado aos demais beneficiários.

A crise que ameaça a saúde suplementar é, em suma, fruto de uma multiplicidade de fatores e não há, para resolvê-la, resposta única ou mágica.

É fundamental, no entanto, que o esforço para superá-la envolva, num diálogo franco e construtivo, os seus principais interessados, direcionado para parcerias público-privadas, revisão do modelo de remuneração, bem como a conscientização dos beneficiários para o uso adequado dos serviços oferecidos. O objetivo é preservar um serviço imprescindível para a assistência à saúde no Brasil.

  • O texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
  • Para enviar seu artigo, escreva para uolopiniao@uol.com.br