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Consumir madeira da Amazônia é um ato de cuidado com a floresta

Especial para o UOL

07/07/2014 06h00

A floresta Amazônica é ainda um grande mistério para o povo brasileiro. Pouco sabemos da sua realidade cotidiana e das suas principais grandezas e fragilidades. Escutamos coisas que, ora nos levam a crer que ela está mais protegida, ora menos. Os dados variam ao léu da fonte, do pesquisador, dos interesses por detrás dos números – e que, muitas vezes, mais  confundem do que informam.

E na distância um tanto ignorante, um tanto alienada, deixamos de cumprir um papel crucial como cidadãos que fazem escolhas de consumo a todo o momento. Sim, cada escolha que fazemos por produtos cotidianos como camas, telhados e pisos, tem um reflexo imediato nesse universo à parte chamado Amazônia. E a base de toda boa escolha é a informação.

A floresta Amazônica tem 5.500.000km², e 60% dessa área está em território brasileiro. Do total, a maior parte pode ser manejada, ou seja, ter seus recursos madeireiros e não madeireiros extraídos a partir de técnicas de manejo florestal aprovadas pelos órgãos ambientais competentes.

Por meio de um planejamento cuidadoso do que pode ou não ser retirado e sob a ótica da sobrevivência da floresta, sua fauna, flora e habitantes, essas técnicas garantem o uso sustentável dos recursos florestais.

Porém, o retrato da exploração madeireira na Amazônia é, hoje, bem diferente. Tomemos o caso do Pará para ilustrar. Segundo dados do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), entre 2009 e 2011, 65% da madeira extraída do Estado era ilegal.

Os planos de manejo que aprovaram a extração dos 35% restantes, para piorar a situação, foram avaliados como inconsistentes (10%, por referirem-se, por exemplo, à áreas já desmatadas), de qualidade intermediária (49%) ou ainda, de baixa qualidade (23%).

Recente campanha lançada pelo Greenpeace traz ainda outro aspecto relevante: o atual sistema de comando e controle brasileiro é muito falho, de forma que os documentos oficiais que garantem a origem da madeira tropical brasileira são pouco ou quase nada confiáveis. Cinco estudos de caso confirmam esta denúncia, dando recheio a um alerta já feito por outras organizações nacionais e internacionais.

A conclusão diante desse quadro não é das mais animadoras. Se quase metade da madeira que chega ao mercado nacional é ilegal, e se a outra metade é pouco ou nada confiável em função da ineficiência do sistema público de comando e controle, então, para evitar o desmatamento e o fim da floresta Amazônica, todos devem evitar consumir sua madeira, certo? Não! Absolutamente errado.

Essa conclusão é um dos principais motores de continuidade da ilegalidade e falsa legalidade e, consequentemente, do desmatamento. Pois, ao não consumirmos seus recursos de forma sustentável, deixamos de valorizar a floresta como tal, e a entregamos, em um ciclo perverso, porém absolutamente recorrente, à extração ilegal para fins de uso do solo por atividades bem menos nobres quando se trata do bioma amazônico, como criação de gado e agricultura.

A floresta é rica em recursos naturais renováveis, ela é um organismo vivo com seres que morrem e nascem a todo o tempo, com ciclos próprios e fortes o suficiente para se perpetuarem e sobreviverem ao convívio de múltiplos usos racionais. E há técnicas milenares – assim como bastante avançadas do ponto de vista tecnológico – de extração sustentável de tais recursos.

Procedência

Selos como o FSC – Forest Stewardship Council (Conselho de Manejo Florestal) atestam a qualidade ambiental e social desse manejo a partir da avaliação de mais de sessenta critérios. Esses olham desde a definição das espécies e árvores que podem ser extraídas a cada ciclo de 30 ou mais anos até a garantia de direitos aos trabalhadores, povos indígenas e ribeirinhos que moram dentro ou próximos às áreas florestais.

Hoje, no Brasil, há 2,872 milhões de hectares certificados pelo FSC, a maior parte deles no Estado do Pará, seguido por Acre e Rondônia. Ainda é pouco para a área de quase 350 milhões de hectares de vegetação nativa da Amazônia, é verdade. Mas isso já representa, aproximadamente, 500 mil m3 de cumaru, massaranduba, cambará e cedrinho, entre tantas outras espécies de madeira bruta certificadas disponíveis para consumo imediato, por empresas intermediárias ou consumidores finais.

Apenas nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná já são mais de 70 estabelecimentos de beneficiamento e venda de produtos de madeira tropical certificada, como briquetes, pisos, portas, janelas, camas, mesas, e objetos em geral, com fonte absolutamente confiável em relação à sua origem e qualidade. 

A madeira da Amazônia oriunda de manejo florestal responsável precisa voltar a fazer parte da vida de todos nós. Porém, sob um novo perfil de consumidor: aquele que questiona a origem e qualidade dos produtos que consome, que duvida de preços muito baixos que normalmente escondem exploração de trabalho e/ou ambiental, e que transcendem o momento da compra, ponderando o rastro e o legado do que se está consumindo. Este ciclo perverso precisa de um fim. E nós, consumidores, somos o começo deste processo.

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