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Após 69 anos, levamos o troco por nossas vitórias sobre os alemães na Segunda Guerra

Especial para o UOL

22/07/2014 06h00

As analogias do futebol com outros assuntos são muitas vezes equivocadas e perigosas. Apesar disso, muita gente insiste em comparar, figurativamente, a batalha nos gramados com as lutas épicas da história universal.

Para muitos, o enredo não poderia ser mais adequado, e segue a todo momento pontuando a crônica esportiva - prato cheio para aqueles torcedores que não conseguem esquecer as rivalidades históricas, mesmo em tempos de paz.

Como sabemos, muitos desses arroubos comparativos da luta campal afloram com mais ênfase de 4 em 4 anos, durante a “competição pelo melhor selecionado do futebol mundial”. Ao longo de décadas, esse grande evento esportivo foi capaz de mobilizar o nosso povo com as tintas mais patrióticas possíveis.

Torcer pelo Brasil virou um fenômeno tão exacerbado, transmutado em amor à pátria, que supera de longe qualquer lembrança dos heróis nacionais ou de algum episódio importante da nossa história. Isso é uma constatação de como os grandes eventos esportivos substituíram as guerras de outrora, dando até uma certa impressão de que a humanidade está evoluindo rumo à paz e harmonia entre as nações.

Mesmo assim, a competição muitas vezes resvala para certas diferenças regionais, nas quais o tal torcedor mais empolgado não quer saber de eufemismos, e acredita numa luta de verdade de seu exército na vitória final sobre o seu adversário.

Segunda Guerra Mundial

Comparar combates históricos com partidas de futebol pode ser um reflexo da tradição cultural que transborda para a narrativa esportiva, especialmente nos países europeus. Nas muitas resenhas dos cadernos de esporte, volta e meia acontece uma nova Batalha das Termópilas, ou um outro “Dia D” para uma partida decisiva.

Um cronista pode fazer paralelos sobre como uma equipe avança sobre outra com a eficiência de uma “blitzkrieg” (estratégia de combate alemã, com foco em velocidade e supresa). Uma acachapante vitória vira o “Waterloo” do oponente, e por aí vai.

No Brasil, além da rivalidade histórica com os argentinos, pouco ou quase nada existe neste sentido. Prova disso é que, enquanto acontecia a Copa do Mundo, completaram-se os 70 anos do embarque da FEB (Força Expedicionária Brasileira) rumo aos campos de batalha italianos, na Segunda Guerra.

Nossos “pracinhas” formavam um escrete que representou muito bem nosso país e lutou com bravura e coragem sem par. Mas numa guerra de verdade, na qual muitos, literalmente, morreram na luta.

Nas últimas rodadas do conflito, em abril de 1945, entre as localidades de Fornovo e Collecchio, no norte da Itália, ocorreu um feito de contornos espetaculares: os brasileiros cercaram e renderam uma divisão alemã inteira, com cerca de 15 mil homens. Foi algo inédito durante a guerra na Europa, quando os alemães pela primeira vez depuseram armas na frente ocidental à uma força aliada: quis o destino, aos soldados da FEB.

Nem os americanos acreditaram quando souberam do ocorrido. Durante o cerco, os brasileiros deram a impressão aos alemães que estavam em superioridade numérica. Para isso, entraram e saíram com um comboio de caminhões por várias vezes ao redor da área do cerco. Foi um exemplo em campo de batalha do famoso “jeitinho brasileiro”.

Depois de dois dias de combates, para impedir um banho de sangue desnecessário, o comando brasileiro enviou um ultimato para que os alemães se rendessem. Até o padre local ajudou nas conversações. Os relatos dos pracinhas que testemunharam tudo contam como os lendários soldados alemães foram capazes de mostrar sua atestada eficiência num campo de batalha, desta vez, durante a rendição. Ordenadamente, marchavam em fila, largavam suas armas em grandes pilhas e rumavam para o campo de prisioneiros, como num ritual ensaiado. Os soldados da FEB assistiam espantados, quase incrédulos, o desenrolar daquele espetáculo solene.

Deste episódio, os brasileiros levaram possivelmente a maior lição da guerra: os alemães mostraram como até mesmo na derrota existe honradez. Setenta anos depois, numa batalha campal acontecida em nosso próprio país, foi a vez dos brasileiros “levarem fumo” dos alemães.

Antes do fatídico jogo ocorrido em 7 de julho, ninguém na crônica esportiva fez qualquer menção aos nossos triunfos sobre eles na campanha da Itália. Depois do jogo, ninguém lembrou que levamos o troco por nossas vitórias, nem da épica rendição em Fornovo/Collechio.

Para os brasileiros, o estrago desta derrota teve dimensões muito maiores que uma batalha real em tempos de guerra. Os alemães nos deram outra lição: uma guerra não se trava só com patriotismo, mas com estratégias definidas e capacidade de improviso em campo de batalha. Desta vez, ao contrário de Fornovo e Collecchio, eles nos renderam, foram os vencedores em tempos de paz. Que sorte a nossa.

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