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Uso de softwares livres pode ajudar no combate à pirataria

Especial para o UOL

30/07/2014 06h00

Recentemente diversos veículos de comunicação repercutiram o resultado de um estudo realizado pela Business Software Alliance e pela consultoria IDC, que afirma que 50% dos softwares utilizados no Brasil são piratas.

O resultado não impressiona os militantes do conhecimento livre, que têm como principal filosofia a possibilidade de usar e modificar programas sem restrição. É ilógico pensar que o usuário primário de computadores esteja disposto a gastar centenas de reais para ter o direito de escrever textos ou executar funções básicas da máquina.

O uso de softwares piratas é prejudicial principalmente ao usuário. Ao contrário do que parece em uma impressão inicial, a utilização dos programas ilegais favorece a própria empresa desenvolvedora. Com a difusão em larga escala das aplicações, transforma-se uma habilidade - como a edição de imagens ou vídeos, por exemplo - em sinônimo de uso de um software específico.

O usuário fica tão acostumado a realizar suas tarefas de uma única forma que não imagina outra possibilidade. Quando inserida em um espaço em que o uso de soluções proprietárias ilegais é restrito, como empresas, universidades e órgãos governamentais, a instituição torna-se refém de apenas um vendedor para exercer suas atividades.

Em contraponto a esta situação está o software livre. Para compreender sua função primordial é necessário sinalizar que, há alguns anos, todos os programas eram “livres”. O foco do interesse econômico na época era o hardware. Foi assim que a Microsoft surgiu no vácuo deixado pela IBM.

O filme “Piratas do Vale do Silício”, dirigido por Martyn Burke, de 1999, faz um retrato bastante fiel da situação em que a propriedade intelectual já era bem definida no contexto de livros e patentes, mas não havia se insinuado imediatamente nos códigos-fonte dos programas. Hoje o hardware é relativamente barato e o maior valor está na informação, na sua posse, propriedade e controle.

O paradoxo central da era digital é que a informação pode ser copiada, duplicada e clonada sem que a fonte diminua em conteúdo. Assim como uma ideia passa de uma mente para a outra sem que se “gaste”, as informações binárias, digitais e eletrônicas podem ser multiplicadas. O interesse puramente econômico exige o controle para justificar seus fluxos de valor, o que não está de acordo com os processos naturais da evolução do conhecimento.

O que define a pirataria de software é contradizer o interesse puramente econômico. Já o software livre propicia o compartilhamento de algo benéfico para todos. Além disso, é possível modificá-lo e adaptá-lo para necessidades específicas, o que contradiz a lógica da compra de um produto pronto e que se desatualiza rápida e propositalmente.

Entretanto, o mais importante é a possibilidade de auditar plenamente seu funcionamento. São também recentes as notícias de que os Estados Unidos conseguem acesso a informações privadas em um vigilantismo patológico que é possibilitado, entre outras coisas, pelas “portas dos fundos” presentes em programas proprietários, o que não ocorre com software livre.

A viabilidade econômica proposta pelo modelo de desenvolvimento do software livre é comprovada pelas várias instituições que se beneficiam das tecnologias abertas, como as do setor varejista, os bancos, os portais de notícias e os principais sites de redes sociais, que utilizam softwares livres em seus servidores e aplicações.

Porém, o formato do modelo livre não encaixa imediatamente no quebra-cabeça do mercado. A criação compartilhada e a meritocracia anárquica que caracterizam a maioria das grandes comunidades livres necessita interfaces especiais para dialogar com o contexto neoliberal.

É neste cenário que foram criadas nos últimos 15 anos diversas iniciativas de fomento e esclarecimento sobre o tema. Entre elas, a associação Software Livre.Org, que é organizadora do Fórum Internacional Software Livre, um dos maiores eventos de tecnologia do mundo, realizado anualmente em Porto Alegre desde 2000.

Já existem softwares livres de boa qualidade para a maior parte das demandas usuais. Além deles, há uma infinidade de ótimas soluções em código aberto que podem servir de base para um conjunto maior ainda de respostas eficientes em tecnologia para a sociedade, em todas as áreas de atuação humana.

Neste cenário, os pequenos negócios são potenciais usuários de soluções livres, pelos baixos custos de implantação e mão de obra potencialmente abundante, gerando um ecossistema de suporte que é um nicho de mercado com potencial ainda latente.

Todas as condições e potencialidades estão presentes. Desenvolvimento de código é uma arte que requer conhecimento, mas que pode alcançar padrões impensáveis com colaboração e compartilhamento. E é essa capacidade técnica que pode tornar o desenvolvedor brasileiro, a indústria de software nacional e o Brasil referências mundiais, ao custo de algumas boas políticas, um pouco de coragem e doses decisivas de inovação e ousadia.

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