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Relação promíscua com governos fez parlamentares virarem sócios do poder

Especial para o UOL

11/08/2014 06h00

O fato de agentes do governo terem combinado perguntas e respostas entre parlamentares e funcionários da Petrobras que se preparavam para prestar depoimento na CPI que pretensamente investiga o caso Pasadena gerou alguma celeuma. Mas é, na verdade, coisa corriqueira.

É claro que ninguém comparece a uma audiência de CPI sem alguma preparação. Quanto mais pesado é o caso, as pessoas e os entes envolvidos, mais intensa ela é. O esdrúxulo do caso foi a alegada participação de parlamentares nessas tratativas: afirma-se que os inquiridores participaram da montagem da cena. Falta de escrúpulos, sem dúvida.

Mas só se surpreendeu com isso – se é que a surpresa foi genuína, o que é duro de acreditar – quem ignora o estado de deliquescência a que chegaram as instituições políticas brasileiras - o Congresso Nacional à frente, seguido de perto por Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores.

As instituições políticas brasileiras desenvolveram com os respectivos Executivos uma tal relação de promiscuidade que transforma praticamente toda atividade parlamentar em subsidiária da vontade dos governantes.

Isso se conseguiu – em 100% das casas legislativas do país, insisto – por força do mecanismo de comprar o apoio político de partidos por meio da distribuição, entre eles, de abundantes quantidades de cargos na administração. Esse poder de cooptação está garantido na própria Constituição (Artigo 37, Inciso V).

A compra dos partidos tem a finalidade de transformar parlamentares em sócios do poder. Em grande parte dos casos, sócios não apenas no sentido figurado, mas também no comercial.

A capacidade praticamente ilimitada que os governantes têm de vender cargos na administração em troca de apoio é a principal causa da deterioração da integridade política no Brasil. A prática destrói não apenas a eficiência administrativa, mas também a legitimidade da representação política.

Daí decorre que a principal reforma política de que o país precisa nada tem a ver com sistema eleitoral ou financiamento de campanha. Dependeria, em primeiro lugar, de eliminar o poder inaudito de cooptação do qual os Executivos gozam.

Para isso, bastaria emendar a Constituição de forma a limitar drasticamente esse poder. Outras medidas saneadoras surgiriam como consequência.

Apesar da gritante relação que a compra de apoios por meio do loteamento administrativo guarda com a saúde do sistema político, cientistas políticos, advogados metidos a reformadores (o que é um desvio de finalidade, mas esse é outro assunto), políticos e observadores da imprensa permanecem cegos a ela quando tratam do tema reforma política.

Afirmam – e o digo com a experiência de ter ouvido inúmeras vezes – que o loteamento é uma questão administrativa, e não política.

O fato, contudo, é que se os chefes do Executivo das três esferas continuarem a ter liberdade para lotear a administração entre partidos políticos, não há esquema eleitoral capaz de melhorar os escrúpulos parlamentares.

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