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China investe em infraestrutura por desconfiar de logística brasileira

Especial para o UOL

16/08/2014 06h00

Há muito tenho comentado sobre os efeitos da crise iniciada nos EUA em 2008, que teve claros efeitos sobre o consumo daquele país. De uma forma simplista, podemos dizer que China e EUA viviam em uma perfeita simbiose econômica até o final de 2007.

Enquanto um país consumia além de sua capacidade de produção - evidenciada por um deficit em conta corrente de 6% do PIB naquele ano -, do outro lado do mundo havia um outro país ávido por suprir esse excesso de consumo norte-americano.

Produzindo mais do que sua capacidade de consumo doméstico, a China lograva escoar esse excedente, principalmente para os EUA. Até que a crise estourou e a China viu seu principal mercado importador cortar suas compras, colocando em xeque o modelo de crescimento econômico chinês, mais voltado para investimento e exportação.

O Brasil beneficiou-se triplamente do acelerado ritmo de crescimento chinês, especialmente na última década: pelo lado da abundância de liquidez mundial gerada pela reciclagem dos superavit comerciais asiáticos e as baixas taxas de inflação no mundo; pelo lado do aumento dos termos de troca relacionados à demanda chinesa por matérias-primas; e pelo lado da própria demanda chinesa pelas exportações brasileiras, sobretudo de recursos naturais.

A China passou de destino de menos de 2% das exportações brasileiras, em 2000, para se tornar o maior parceiro comercial do Brasil, em 2009. Embora a alta concentração da pauta de exportações brasileiras – notadamente minério de ferro, soja e petróleo – seja um desafio para a política comercial, não há dúvida de que para o Brasil seria interessante continuar ver a China crescendo a altas taxas.

Mas isso implica pelo menos quatro pontos de observação que podem ser interpretados como risco ou oportunidade - dependendo do segmento afetado - dado um cenário provável de soft landing na China:

Tensões Comerciais

No curto prazo, enquanto a China não rebalancear sua economia mais para o consumo doméstico, a procura de mercados para escoar os excedentes chineses - principalmente Brasil e países da América Latina e África - tende a gerar tensões comerciais crescentes e a afetar negativamente alguns segmentos industriais intensivos de mão de obra, tais como os segmentos têxtil, brinquedos, vestuário e calçadista.

Exportações brasileiras

No curto e médio prazos, a política de rebalanceamento do modelo econômico chinês e a expectativa de menor crescimento já mostram sinais claros de impactos contracionistas nos preços das hard commodities (minério de ferro, cobre etc.) e tende a afetar menos ou até positivamente o segmento de soft commodities e alimentos.

Quanto maior a renda da população chinesa, maior o consumo de comida. Nesse cenário, o Brasil tenderia a se beneficiar como exportador de soja e alimentos, mesmo com menores preços do minério de ferro.

Recursos Naturais

A China ainda continua ávida por matérias-primas. Mesmo antes de ficar evidente que a recuperação econômica dos EUA e da Europa não se daria através de mais consumo, a China procurou garantir maior acesso a recursos naturais. De 2010 a 2014 pelo menos US$ 25 bilhões de investimentos chineses no Brasil já foram anunciados e efetivados nos setores de agronegócio, mineração e petróleo.

Investimentos em infraestrutura

Além desses investimentos para garantir acesso a recursos naturais, os chineses têm se interessado em investimentos em infraestrutura. Não porque o governo brasileiro tem tentado “vender” o país aos chineses. Aliás essa é uma falácia antiga: “O Brasil não vende para a China, a China é quem compra do Brasil”.

Esses investimentos em infraestrutura, necessários para atenuar um pouco o nosso gargalo neste segmento, têm sido feitos devido à total desconfiança dos chineses quanto à logística brasileira.

Investimentos chineses em infraestrutura são conduzidos como forma de baratear e garantir o escoamento dos produtos brasileiros para a China. Não existe nenhum mal nisso, desde que a concessão seja bem feita e a agências competentes supervisionem os serviços prestados.

Claro que sempre existirá um onda xenofóbica e atrasada dizendo que os chineses só vêm ao Brasil para comprar matérias-primas e liderar projetos de infraestrutura apenas para os interesses deles. Ledo engano.

Temos recursos para explorar o pré-sal sozinhos? Temos recursos públicos para fazer obras de infraestrutura que o país tanto precisa? Se investimentos no segmento do agronegócio propiciarem o chamado transfer price, que aliás várias empresas brasileiras fazem no exterior, isso seria culpa de quem? Dos chineses ou da falta de regulamentação e fiscalização das autoridades competentes?

Já passou da hora de abandonarmos essa visão ultrapassada que deveria estar enterrada nas catacumbas do pensamento econômico da década de 1970 na América Latina. É hora de fazermos parcerias sérias com países que nos agregam, e não com os que nos colocam em um cenário atrasado ideologicamente, ou que apenas nos enrubesçam frente à diplomacia internacional ou à comunidade financeira global.

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