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Suplementos alimentares só funcionam para quem tem deficit nutricional

Especial para o UOL

12/09/2014 06h00

Segundo definição do Ministério da Saúde, de 1988, “suplementos alimentares servem para complementar a dieta diária de uma pessoa saudável, nos casos em que a ingestão desses nutrientes, a partir da alimentação, seja insuficiente”. Podem ser vitamínicos ou minerais. “Nos suplementos, cada nutriente deve conter um mínimo de 25% e no máximo até 100% da Ingestão Diária Recomendada (IDR), na porção diária indicada pelo fabricante, não podendo substituir os alimentos, nem ser considerado como componente exclusivo da dieta”. Isso precisa ser atualizado urgentemente.

Hoje, há uma ampla gama de produtos vendidos com o rótulo de suplementos, disponibilizados em variadas formas (líquidos, barras, pós, géis), com nutrientes que existem naturalmente na alimentação e que são essenciais para o bom funcionamento do organismo - como carboidratos, proteínas e vitaminas.

A lógica da suplementação é ajudar as pessoas a obterem os níveis ideais desses nutrientes - seja porque existem falhas nutricionais na dieta, ou porque necessitam de quantidade tão grande desses nutrientes que a reposição via alimentação convencional se torna inviável.

Porém, em busca de melhora do desempenho atlético, do “corpo perfeito”, da melhora da saúde e mesmo do “combate ao envelhecimento”, é cada vez mais frequente o consumo de suplementos.

Embora não existam números exatos, estudos apontam que entre 60% e 70% dos frequentadores de academia fazem suplementação. Os valores econômicos envolvidos nesse mercado também são elevados e crescentes.

Em 2012, no Brasil, a comercialização de suplementos alimentares movimentou cerca de R$ 450 milhões, segundo dados da Abenutri (associação de empresas de produtos nutricionais). Já nos EUA, esses valores oscilam em torno de inacreditáveis US$ 32 bilhões por ano.

Muitos desses suplementos foram testados em estudos científicos adequados e tiveram a sua eficácia comprovada. Por exemplo, a suplementação de proteínas e aminoácidos, com a Creatina e com o Whey Protein, comprovadamente ajudaram no ganho de massa muscular em atletas.

E aí surge o primeiro problema: existe uma alta probabilidade de que o seu uso não traga nenhum benefício, pois a maior parte dos dados foi extraída de atletas de alto desempenho, com necessidades nutricionais superiores às da população normal.

Portanto, não podemos extrapolar esses resultados para a população em geral. Os resultados das pesquisas feitas com essas substâncias em atletas recreacionais foram conflitantes, sugerindo apenas uma melhora discreta. Em quem não pratica esportes, elas simplesmente não funcionam, pois precisam ser associadas ao exercício físico resistido (com pesos).

Ou seja, fica claro que creatina e whey só funcionam em quem tem deficit nutricional. Além disso, em alguns grupos de risco, como pessoas com função renal ou hepática deficientes, a exposição a essas substâncias pode causar efeitos colaterais graves, com o agravamento do quadro podendo levar a hemodiálise ou a morte.

Problema antigo

Os efeitos colaterais do uso de suplementos, mesmo aqueles que funcionam e são reputados como naturais, não é um tema novo em saúde.

Em 2000, o FDA (agência reguladora dos EUA) determinou a proibição da venda dos alcalóides da Efedra (efedrina, Ma Huang) - estimulante para a atividade física e coadjuvante para perda de peso - por causa do risco de efeitos colaterais graves, como infarto, convulsões e AVCs.

Em 2014, o OxyElite Pro, um dos mais populares termogênicos no mundo (usado como estimulante, e que resulta no aumento da produção de calor) foi retirado do mercado após a confirmação de 97 casos de hepatite grave causados pelo produto.

Mesmo substâncias eficazes, com uso referendado por diversas entidades internacionais, podem causar malefícios. É o caso da suplementação de Ácido Fólico, que é eficaz para a prevenção de defeitos do tubo neural em fetos. Em gestantes com deficit concomitante e não corrigido de Vitamina B12, o uso do Ácido Fólico aumentou o risco de retardo do crescimento intrauterino e de bebês pequenos para a idade gestacional.

A suplementação com vitamina D, imprescindível para a prevenção e o tratamento da osteoporose, pode causar hipercalciúria (aumento do cálcio na urina), com formação de cálculos renais.

Até a Vitamina C, universalmente recomendada para a melhora imunológica, só é eficaz em atletas durante as fases de treinamento intenso, provavelmente não funcionando na população em geral. Pior, discute-se a sua associação com aumento do risco de cálculos renais.

Em dois estudos, o uso de polivitamínicos por quem não apresentava deficit de vitaminas esteve associado com queda da capacidade aeróbica, piorando o desempenho atlético.

Outro problema enfrentado por quem usa suplementos é ter certeza de que o produto utilizado é realmente o que diz ser. Estima-se que entre 20% e 30% dos suplementos vendidos no Brasil possuam esteroides em sua composição, como a testosterona.

Nos EUA, segundo artigo da revista “New England Journal of Medicine”, ao menos um terço dos suplementos alimentares testados pelo FDA continham substâncias ilegais e perigosas, como hormônios da tireoide e derivados anfetamínicos.

Outra má notícia é o fato de que a maioria dos indivíduos que utilizam suplementos o faz sem o acompanhamento de um profissional de saúde habilitado. Usam o produto por conta e risco, sem a mínima noção de necessidade ou não do consumo do suplemento, da dose adequada, da duração e do momento certo da suplementação.

Em suma, os suplementos alimentares podem ser úteis, porém apenas devem ser utilizados quando houver indicação, pesados os riscos e as contraindicações, e sempre sob a orientação de um profissional de saúde habilitado para prescrever a suplementação.

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