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Aumento do consumo de pescados apoia-se cada vez mais em importados

Especial para o UOL

13/09/2014 06h00

Quando se pensa em peixes ou frutos do mar, logo vem a ideia de refeição saudável, como a dieta do mediterrâneo e as vantagens do ômega 3. De fato, diversos benefícios são atribuídos aos pescados, cujo consumo por habitante no Brasil saltou de cerca de 4 kg em 2008 para mais de 11 kg em 2011.

No panorama global, de acordo com o último relatório da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) sobre o estado mundial da pesca e aquicultura, o pescado já corresponde a 17% do consumo global de proteína, e o peixe aparece como um dos alimentos mais comercializados de todo o mundo.

Apesar do aumento do consumo ser uma boa notícia para alguns setores da economia, o cenário da produção não é nada animador. A pesca extrativa marinha ainda responde por grande parte da produção pesqueira, mas cerca de 30% dos estoques pesqueiros mundiais encontram-se em estado de sobrepesca, ou seja, são insustentáveis. Outros 60% estão em estado de plena exploração e sem possibilidades de aumento da produção.

No Brasil, o cenário não é diferente. Desde a conclusão das avaliações do ReviZEE (Programa de Avaliação do Potencial Sustentável de Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva), promovido pelo Ministério do Meio Ambiente, sabemos que, a despeito da grande área marinha na Zona Econômica Exclusiva brasileira, nosso mar não está para peixe.

A produção total da pesca extrativa marinha encontra-se praticamente estagnada (553 mil toneladas em 2011, contra 585 mil em 2009) e sem perspectivas para qualquer aumento significativo. Enquanto isso, recursos importantes continuam em estado preocupante de sobre-exploração, como, por exemplo, a sardinha, corvina, diversas espécies de cações (tubarão) e cherne-poveiro. Este último, inclusive, entrou em completo colapso e sua pesca encontra-se sob moratória.

Frente a essa realidade, o aumento do consumo de pescados apoia-se cada vez mais em produtos importados. De acordo com a última avaliação do Ministério da Pesca e Aquicultura, a balança comercial de pescados em 2011 apresentou um deficit de US$ 991 milhões. Investimentos em qualidade do pescado e melhorias na gestão da atividade poderiam ser caminhos interessantes para o desenvolvimento do mercado. Entretanto, o que encontramos hoje é um mercado bastante problemático, sem informações transparentes e com grande informalidade.

Problemas no comércio

Um estudo promovido pela Fundação SOS Mata Atlântica - entre abril e maio de 2014, nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo - mostrou que no dia a dia de feiras, peixarias, supermercados e restaurantes o consumidor muitas vezes não consegue exercer plenamente seu poder de escolha. Isso ocorre porque no varejo atual é praticamente impossível obter informações corretas sobre a origem, períodos de defeso (quando a pesca da espécie é proibida para garantir sua reprodução), métodos empregados nas pescarias e até mesmo sobre a real identidade do pescado.

Durante esse levantamento, foram observadas 29 ocorrências de venda de produtos com rotulagem trocada – cação como badejo, oveva como corvina e até cherne-poveiro, que tem sua captura e comercialização proibida desde 2005, sendo vendido como cherne. Essas fraudes contra o consumidor podem ocorrer por mera questão de cultura alimentar, quando o nome de produtos não tão conhecidos no mercado são trocados por outros de melhor aceitação, mas em algumas situações são feitas com o objetivo de aumentar o preço ou mascarar algum produto de comercialização proibida.

Quanto à questão dos defesos, nenhum comerciante entrevistado, em um universo de 99 estabelecimentos visitados, conseguiu informar todos os períodos de paralisação de pesca. Portanto, caso o consumidor não tenha ele próprio esse conhecimento, a probabilidade de levar para casa um produto proibido em determinada época do ano não é pequena. No Rio de Janeiro, por exemplo, foram vistas lagostas frescas sendo vendidas durante o defeso e é possível, apesar de improvável, que nem os comerciantes sabiam das restrições.

A mesma situação foi encontrada para os métodos de captura ou petrechos de pesca utilizados na obtenção dos produtos, já que quase nenhum comerciante tinha esse conhecimento. Quanto à origem, as respostas mais comuns eram Ceasa, Ceagesp, Cabo Frio ou “vem do sul” - respostas genéricas, que equivalem a dizer que “o leite vem da caixinha”. Portanto, não existe nenhuma garantia de que a pescaria foi feita fora de áreas protegidas e de acordo com a legislação.

Tampouco existe a possibilidade do consumidor optar por um produto que foi pescado com melhores práticas ambientais, utilizando, por exemplo, mecanismos de redução da pesca acidental ou de desperdícios. Em suma, o caminho do mar à mesa é completamente desconhecido pelo cidadão.

Esses resultados evidenciam que falta no Brasil uma política que permita a rastreabilidade do pescado, envolvendo governo, setor produtivo, transportadores, comércio e consumidores. O próprio Ministério da Pesca admite que o país ainda sofre com a pesca ilegal, não regulada e não reportada, apesar dos avanços com o registro geral da pesca, anuários estatísticos e monitoramento de embarcações.

No fim das contas, todos perdemos com essa falta de informação. O setor produtivo fica limitado para melhorar sua atuação; o mercado não consegue fornecer produtos com maior qualidade; o governo não consegue cumprir seu papel regulador; o consumidor vira refém e o ambiente marinho fica sujeito à exploração desregulada.

A implantação de rastreabilidade e acompanhamento da cadeia produtiva deve ser uma prioridade na agenda pública, sob a pena das expectativas de crescimento do setor naufragarem, levando junto uma grande biodiversidade e o equilíbrio dos ecossistemas marinhos.

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