Trocar carro por transporte coletivo foi reencontro com a humanidade
Passar a usar o transporte coletivo não foi só um meio de me locomover com mais tranquilidade. Foi também um reencontro com a humanidade. Voltei a me sentir um exemplar de homo sapiens.
No trânsito, quando acontece uma gentileza ou uma grosseria, o ato parte de um objeto, e não de uma pessoa. O Corolla preto te deu uma fechada ou o Gol prata te deu passagem. Se você trocar olhar com outro motorista, é provável que vocês já estejam prestes a sair na mão.
Agradecemos com uma piscada de farol ou com uma buzinada. E também reclamamos com as mesmas ferramentas, mudando o ritmo e a intensidade. Usar as mãos pode ser um problema, e uma confusão pode transformar um pedido de desculpas em uma mandada para “aquele lugar”. Palavras raramente são ouvidas além dos vidros escurecidos.
No ônibus ou no metrô, é olho no olho. Bípedes, dependemos todos das mesmas rodas ou dos mesmos trilhos. Alguns podem ser mais apressados e precisam costurar entre seus pares. Mas, uma vez dentro da composição, chegaremos todos juntos, não adianta chiar. No percurso eu vejo rostos. Adoro rostos: tranquilos, atentos, aflitos, suados, pensativos, sonolentos, cansados, animados, jovens ou velhos.
Por mais que nos afundemos nos nossos celulares, livros ou pensamentos, é possível ouvir um agradecimento em voz baixa quando joelhos se afastam para dar passagem para a cadeira ao lado. E é fácil perceber uma mexidinha da cabeça agradecendo quando alguém tira a perna do corredor para você passar.
E cada ser tem o poder de tirar dali aquilo que lhe é de direito. Ação e reação. Aprendi logo que a máxima “o povo é mal educado e mal humorado” era mais um reflexo do meu estado de espírito do que o contrário. Percebi que ser gentil, ser cordial e sorrir te cobre com uma capa protetora e a maioria à sua volta te trata bem.
Uma piada num vagão lotado às seis da tarde é tiro-e-queda para uma viagem agradável. Agradecer ao cobrador por simplesmente estar ali ou cumprimentar o motorista do ônibus - não importa a pressa ou a lotação - são atos que eu levo no dia a dia para tornar minha viagem muito mais prazerosa.
Apertada ou sentada, eu sigo meu destino, sempre em movimento, no meio dos meus pares, esses humanos que circulam.
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