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Marcar pênalti em bola na mão transforma futebol em tiro ao alvo

Especial para o UOL

04/10/2014 06h00

Não é a primeira vez que a CBF interpreta de forma errada algo que foi dito pela Fifa. Já havia acontecido na década de 1990, com a chamada "paradinha” em cobranças de penalidades. E o pior, nem tinha sido a CBF que proibiu, foi apenas uma federação, a paulista.

Porém, a Fifa nunca proibiu o artifício. Ela apenas exigiu que as cobranças fossem feitas de forma constante. Ou seja, o cobrador poderia correr e parar durante sua corrida, mas não no momento exato da cobrança. A ideia era dar uma condição de igualdade ao goleiro, mas houve um equívoco na interpretação do texto.

A nova orientação da confederação sobre a marcação de pênaltis em lances que a bola bate na mão do adversário é um absurdo ainda maior. Interpretaram o que nunca foi escrito. Desafio que mostrem o texto com tal mudança. Não adianta falarem apenas para defenderem seus cargos, o correto seria dizer "erramos e assumimos nossa falha".

Se a entidade máxima do futebol desejasse tal mudança, porque não fez tal alteração durante a recém-terminada Copa do Mundo?

Além disso, temos que entender o espírito da regra, que é nunca beneficiar o infrator. O jogador tem braços, certo? Isso é uma infração? Não, pois eles se movimentam. Julgar se ele "ganhou ou não espaço físico de forma deliberada" é, no mínimo, subjetivo. A movimentação do braço é natural.

Pior é ler alguns "professores" dizendo que se a direção da bola mudar, é pênalti. Eles faltaram às aulas de física no colégio, ou a lei da ação e reação mudou? Lógico que sempre haverá uma mudança na direção da bola com o toque. Então será sempre penalidade?

Se a interpretação seguir do jeito que estão fazendo, o futebol acaba. Eu, se fosse jogador, não iria mais procurar fazer um gol, iria sempre procurar jogar a bola no braço de meu adversário. Não vamos mais precisar de treinadores, mas sim de "técnicos de tiro ao alvo". O alvo não é mais o gol, e sim o braço.

O erro mais grave é o de mudar algo no meio de uma competição. Mesmo se fosse a intenção da Fifa – e não é, pois a mesma já puxou as orelhas da CBF – ela jamais o faria no meio de um campeonato.

A entidade sempre pede que tais alterações sejam feitas a partir de campeonatos que serão iniciados. Deveríamos então esperar o início de outra competição, informando clubes, jogadores, treinadores, imprensa e torcedores.

Imagine um time que não teve nenhuma penalidade marcada a seu favor no primeiro turno, mas existiram lances semelhantes a seu favor em algumas partidas. Agora, no segundo turno, a equipe sofreu três penalidades graças a essa interpretação. Estamos falando de quantos pontos em jogo? Esse clube pode ficar fora de uma competição internacional ou ser rebaixado graças a essa mudança feita fora de hora.

O que me parece é que a vaidade dos nossos dirigentes imperou. Pensaram algo do tipo "começamos a implementar a nova interpretação aqui", mas o tiro saiu pela culatra.

Mas a Fifa é a grande culpada, deixando com que as confederações interpretem seus textos como bem desejarem. O texto é escrito e divulgado em inglês, passa para o espanhol e depois para o português. A chance de uma tradução equivocada é grande.

Fora isso, a quantidade de curiosos ou de pessoas que foram árbitros nota cinco e que comandam a arbitragem nacional é enorme. Deixo claro que não digo isso por interesses pessoais, pois fiz parte da Comissão de São Paulo em 2005 e não tenho a mínima intenção de voltar.

Quem comanda precisa ter sido árbitro de ponta, para entender como aquela interpretação será posta dentro do campo, entender a regra do jogo e como ela será absorvida, e quando. É fácil ficar em uma sala, no ar condicionado, ditando regras e jogando os árbitros aos tubarões.

E o mais absurdo: chamar clubes e jogadores para um debate depois de tantos pênaltis mal marcados? E aquelas equipes que foram prejudicadas, vão reclamar com quem?

Nossa safra de árbitros é muito ruim, com raras exceções,  mas as comissões de arbitragem são piores. São "padrão 7 a 1"

O problema é que coisas desse tipo dão asas à imaginação do pessoal das ‘teorias da conspiração', como se isso ajudasse times A ou B. Como se fosse possível montar um esquema de arbitragem envolvendo mais de mil pessoas sem que isso vazasse.

O técnico Vanderlei Luxemburgo foi quem melhor definiu a situação. Disse que está uma bagunça, e está mesmo. Se queremos repensar o futebol brasileiro, precisamos repensar a arbitragem e afastar os 'inventores' dos cargos diretivos.

Como último detalhe, gostaria de pedir ao internauta que ficasse de olho nos recém-iniciados campeonatos pela Europa. Em algum deles vocês têm visto marcações de pênaltis como as do Brasileirão? Então o mundo está errado e só nós, brasileiros, interpretamos o que a Fifa quer? Só nós estamos certos? Lógico que não.

Na verdade, em uma situação semelhante, num país onde o futebol é levado a sério, o erro seria motivo suficiente para as pessoas entregarem seus cargos ou serem demitidas. Mas eu disse em um país onde o futebol é levado a sério, o que não é nosso caso.

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