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Falhas graves de gestão deixaram Santa Casa de SP à beira da calamidade

Especial para o UOL

13/10/2014 06h00

Recebi com muita preocupação, mas também com tranquilidade, o relatório final da comissão técnica sobre a Situação e a Gestão da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, produzido após 60 dias de avaliações conjuntas realizadas por técnicos das secretarias estadual e municipal de Saúde, Ministério da Saúde, Conselho Estadual de Saúde e da própria instituição filantrópica.

A preocupação, evidentemente, foi constatar que a situação da Santa Casa é muito pior do que imaginávamos, beirando a calamidade, e com sérios indícios de falhas graves de gestão.

A tranqüilidade veio por conta do que já tínhamos certeza, da  confirmação, fruto de consenso entre todos os representantes da comissão, de que, ao contrário afirmado pelo ministro da Saúde há dois meses, o governo de São Paulo não deve um centavo do que recebeu do Ministério para pagar por serviços prestados pela Santa Casa.

É importante recapitular: em 22 de julho deste ano, o atual provedor da Santa Casa - de forma unilateral e sem comunicar os pacientes - mandou interromper os atendimentos de urgência e emergência no pronto-socorro do maior hospital filantrópico do Brasil, justificando a medida com a falta de materiais e insumos em razão de dívidas com fornecedores.

Na manhã do dia seguinte anunciamos a liberação de R$ 3 milhões emergenciais, com recursos do tesouro estadual, para que a Santa Casa pudesse reabrir o pronto-socorro e atender aos pacientes. No entanto, condicionamos novos repasses extras a uma auditoria, por meio de comissão técnica específica, para avaliar as contas e a gestão.

Afinal, os repasses do governo do Estado e da União para a Irmandade em 2013 e neste ano tinham sido 2,7 vezes superiores ao que a instituição produziu, de fato, em atendimentos para o SUS (Sistema Único de Saúde).

Acusações 

Em Brasília, o ministro da Saúde acionou a imprensa para acusar a secretaria de Saúde paulista de ter deixado de repassar desde janeiro de 2013 e maio deste ano R$ 74 milhões em recursos federais destinados à Santa Casa. A área técnica do Ministério produziu uma planilha com erros bizarros, divulgada para a imprensa à época, em que calculava valores em duplicidade. Uma ofensa a São Paulo. Alertamos sobre os erros, mas não quiseram ouvir.

Pois bem. O relatório da auditoria desmentiu a versão do Ministério e corroborou o que dizíamos há dois meses. Não houve retenção de repasses, e sim um absurdo equívoco do órgão federal em contabilizar à parte incentivos que foram incorporados pelo gestor estadual ao teto financeiro de média e alta complexidades da Santa Casa, conforme orientações constantes de portarias do próprio Ministério.

Julgo importante destacar que os valores do teto de Média e Alta Complexidade (MAC) são definidos pelo gestor estadual, com a concordância do prestador, mediante convênio firmado entre ambas as partes. E que, conforme portaria ministerial de 2001, a complementação financeira do teto MAC das instituições com recursos federais é vedada.

O novo superintendente da Santa Casa, em uma semana no cargo, verificou os convênios e os repasses e anunciou publicamente que todos os repasses da Secretaria estão em dia. Um dia depois, o Conselho Nacional de Saúde (Conass), que representa os 27 secretários de Saúde dos Estados e do Distrito Federal, também chancelou a posição da Secretaria e do relatório da comissão técnica sobre a lisura de todo o processo.

Problemas de gestão

A comissão técnica que avaliou a situação da Santa Casa encontrou um cenário desolador: redução de 98,5% do patrimônio da entidade entre os anos de 2009 e 2013, o que representa, na prática, um quadro de insolvência.

Na análise de endividamento, a comissão identificou que a Santa Casa usava, em 2009, 56% do capital de terceiros e 44%, próprios. Em 31 de dezembro de 2013 a instituição fechou operando com 100% do capital de terceiros, o que representa, na prática, a deterioração das finanças da entidade.

O relatório identificou, ainda, aumento expressivo nos valores de duplicatas a receber de “devedores duvidosos”, ou seja, de clientes com dívidas em aberto por tempo superior a 180 dias, com a Santa Casa. A provisão para devedores duvidosos saiu de R$ 10,4 milhões em 2009 para 47,9 milhões em 2013. No acumulado do período, o “calote” sofrido pela instituição soma R$ 191,8 milhões, representando 26,5% do total geral de contas a receber.

Ainda conforme o documento, entre 2009 e 2013 os empréstimos e financiamentos a longo prazo da Santa Casa cresceram 256%, de R$ 101,5 milhões para R$ 361,6 milhões.

Houve no período analisado um expressivo aumento nominal de 65% na folha de pagamentos e encargos da instituição, que passou de R$ 68,7 milhões para R$ 113,8 milhões.

Já a avaliação de liquidez apontou que em 2009 a Santa Casa tinha R$ 0,80 para pagar a cada R$ 1 de dívida de curto e longo prazos. Em 2013 esse valor foi de R$ 0,61. Mas o mais grave ocorreu em relação à capacidade de pagamentos de dívidas imediatas. Em 2009, a instituição tinha R$ 0,21 centavos para cada R$ 1 em dívida. O valor caiu para apenas R$ 0,07 em 2013.

A dívida da Santa Casa em dezembro de 2013 fechou em R$ 433,5 milhões, ante R$ 146,1 milhões em 2009. O prejuízo da instituição pulou de R$ 12,8 milhões para R$ 167,9 milhões no período.

Apoio do governo estadual

Diante desse quadro, fruto de uma gestão ineficiente, o governo de São Paulo entendeu que é necessário apoiar fortemente a instituição para garantir a continuidade do atendimento médico.

Em parceria com o novo superintendente, criamos uma comissão para acompanhamento permanente da Santa Casa e vamos garantir o custeio de materiais e insumos e, inclusive, ajudar no pagamento da folha de funcionários, se for necessário. Tudo para garantir que a população continue a ser atendida, que os funcionários permaneçam recebendo seus salários normalmente. Em relação às dívidas, nos colocamos à disposição para ajudar a negociá-las.

Contratamos, ainda, uma empresa de auditoria externa que está avaliando os contratos firmados na gestão anterior da Santa Casa. O relatório deverá ser concluído em novembro e esperamos que o documento contenha subsídios para o aperfeiçoamento da gestão.

Enfim, o enredo que construímos desde o lamentável e triste episódio do fechamento do pronto-socorro da Santa Casa teve o claro intuito de, primeiro, garantir a reabertura imediata do serviço à época, e, depois, estabelecer um diagnóstico que auxiliasse nas medidas que estamos adotando agora para recuperar um hospital filantrópico que é um patrimônio e um orgulho para São Paulo.

Enquanto isso, no gabinete de Brasília, o ministro da Saúde preferiu atacar e ofender injustamente o governo de São Paulo com inverdades. Preferiu o embate a um debate sério sobre o subfinanciamento da saúde que fecha leitos e reduz atendimentos nos hospitais filantrópicos de todo o Brasil. Isso quando as instituições não fecham as portas, o que não é algo raro.

O governo de São Paulo reafirma seu compromisso com a saúde pública de todos os paulistas e sua disposição em auxiliar no que for preciso para manter a Santa Casa de São Paulo de portas sempre abertas para atender a quem mais dela precisa.

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