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É pouco provável que Brasil passe por surto de ebola

Especial para o UOL

17/10/2014 06h00

De doença rara, quase curiosidade médica e tema de produções cinematográficas ficcionais, eis que o ebola se tornou uma realidade, uma ameaça global; uma questão de segurança nacional.

A doença pelo vírus ebola, uma zoonose que tem em morcegos e primatas seus reservatórios naturais, é mais um exemplo de vírus que "saltaram" entre espécies.

É transmitido pelo contato direto com sangue e outros materiais biológicos (fezes, vômitos, urina, sêmen etc.) eliminados por pacientes infectados e sintomáticos (e somente quando sintomáticos). À luz do conhecimento atual, não é transmissível por via aérea.

Dentre os infectados, uma parcela significativa dos casos evolui com complicações hemorrágicas, colapso circulatório e disfunções orgânicas múltiplas, justificando a letalidade de cerca 50% entre os casos do surto atual.

Iniciado em dezembro de 2013, mas detectado em março de 2014, o surto de ebola na África Ocidental vem se avolumando em números, de casos e de óbitos, desde então.

Muito se questiona se a declaração do surto como Emergência Internacional pela OMS (Organização Mundial da Saúde), em agosto de 2014, não foi demasiadamente tardia e tenha sido um dos determinantes da expansão do surto.

Difícil afirmar em que proporção, mas certamente o alerta global e a sensibilização para necessidade de colaboração internacional, que agora se observam, deveriam ter sido mais precoces.

A situação é preocupante e ganha nuances trágicas a cada dia, pelos números - provavelmente subestimados, mas que já somam mais de 8 mil casos e 4 mil óbitos -  e pela divulgação em tempo real de notícias e imagens de pacientes moribundos e muitos corpos "envelopados". Surtos de ebola não são novidade, pois vêm ocorrendo pelo menos desde a década de 1970, alguns com letalidade próxima a 100%.

Em todo o mundo, ano após ano, mais de 500 mil pessoas morrem de Influenza e milhões se tornam vítimas da dengue. Na África, todos os anos, milhares de crianças morrem em decorrência de diarreia e outros tantos milhares de pessoas por malária. O que torna, então, o atual surto de ebola motivo de preocupação nunca observada em relação aos vários outros que o precederam?

Primeiramente, o fato de que, apesar de todos os esforços internacionais, a interrupção da transmissão da doença nos países com surto – Guiné, Libéria e Serra Leoa - não parece próxima.

Há um crescente número de casos novos e óbitos, e expansão para novas áreas de transmissão. As estimativas recentes da OMS são pessimistas: seriam necessários vários meses para o controle do surto e o número de casos pode a chegar a dezenas de milhares.

O colapso da já esfacelada infraestrutura, o isolamento dos países afetados, o risco à segurança alimentar, a instabilidade político-social e a retração das frágeis economias já se delineiam como mais uma tragédia humanitária no continente africano.

Somam-se a isso questões éticas e diplomáticas decorrentes das discussões, que já aconteceram em vários países, acerca da adoção de barreiras sanitárias voltadas aos egressos dos países acometidos. E mais: nunca se teve um surto com um número tão grande de casos e uma duração tão prolongada, em três países simultaneamente.

Pela primeira vez, a doença “escapou” dos longínquos vilarejos nas florestas, chegou aos centros urbanos e, a partir daí, viajou a outros países e continentes.

Exemplos recentes justificam a preocupação (não o pânico) e ratificam a necessidade de que o mundo tenha suas capacidades de resposta estruturadas. O caso nos EUA, detectado tardiamente, mostrou que a introdução do vírus é possível e factível, ainda que, de modo geral, se considere pouco provável.

Casos de infecção como dos EUA e da Espanha, envolvendo profissionais da saúde, apontam que ocorências fora do continente africano são, sim, tangíveis.

Ebola no Brasil

E no Brasil? Há um plano de contingência, bem estruturado e que já foi simulado. Um primeiro suspeito - já descartado - colocou o planejamento brasileiro sob teste. A percepção inicial é de que a capacidade de resposta, para o nível de alerta atual, se mostrou apropriada.

A ocorrência de um surto no país, no entanto, é pouco provável. Dentre outras coisas, por termos infraestrutura sanitária, condições de isolamento de casos suspeitos e oferta de equipamentos de proteção individual muito mais apropriadas que aquelas observadas nos países africanos sob surto.

Alguns apostam que, inexoravelmente, casos importados venham a ser confirmados no país. Outros afirmam que seria quase impossível.

Nesse momento, o mais prudente seria considerar que, sim, o surto atual da febre pelo vírus ebola figura como desafio e potencial ameaça global, e que a entrada de casos confirmados seja possível (mas não tão provável).

Para que, de fato, se mantenha improvável a experiência de um surto no país, são imprescindíveis ações bem estruturadas e integradas com objetivo de detecção precoce de casos suspeitos, não apenas em portos e aeroportos das capitais, mas em municípios Brasil afora, incluindo-se aqueles de fronteira, potenciais portas de entrada de migrantes e refugiados.

Para tanto, são mandatórios: sistema de vigilância sensível, serviços de saúde adequados, profissionais da saúde capacitados, diagnóstico laboratorial ágil e divulgação transparente das informações pelos órgãos governamentais.

Não menos importante nesse momento, entretanto, é a contenção do pânico, esse sim passível de se disseminar e se tornar em pandemia sem precedentes.

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