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Lei anticorrupção deve estimular empresas a prevenir atos ilícitos

Especial para o UOL

08/11/2014 06h00

Em janeiro deste ano entrou em vigor a lei 12.846, que visa evitar a corrupção de agentes públicos por empresas, entre outros objetivos. Para reduzir os riscos de vir a ser penalizada por ações de seus dirigentes ou colaboradores, as empresas precisam conscientizá-los e adequar seus procedimentos.

Nem todas se prepararam para a vigência do novo diploma, e a atenção tem sido dada, principalmente, aos processos de fiscalização previstos nos programas de "compliance", que vêm sendo ampliados. Isso porque a lei reforça muito a importância de programas de "compliance" de Códigos de Ética e Conduta efetivos que, neste caso, podem ser considerados como atenuantes das penas.

Embora isso seja necessário, pois o foco da legislação é punitivo, persecutório até contra empresas, a existência da lei 12.846 cria oportunidades de gerar um novo clima de satisfação para todos que se relacionam com a organização, pela adoção firme de políticas e procedimentos corretos, limpos e transparentes.

O primeiro passo para isso é a definição de valores éticos positivos para a organização e a adoção firme de políticas e processos que os implementem. O ajuste ou a implantação de Códigos de Ética e Conduta para que eles realmente funcionem como orientação para dirigentes, funcionários e colaboradores é a próxima etapa.

Toda a sociedade ganha com empresas, entidades e instituições que agem corretamente, e os primeiros a se beneficiar são aqueles que nelas trabalham e com ela se relacionam (os stakeholders).

É parte da natureza humana buscar o melhor, fazer bem feito, ter a consciência de estar agindo corretamente, com clareza, progredindo sem temor de ser acusado de burlar qualquer regra legal, social e moralmente aceita.

Para isso é importante ter códigos de ética e conduta que reflitam o clima real e o comportamento da empresa, que sejam absorvidos e incorporados pelos gestores e demais colaboradores como formadores de atitudes e adoção de novos procedimentos, por meio de palestras, discussões e outras formas de comunicação.

Em vez de se preocupar apenas com as penalizações da Lei Anticorrupção, que podem envolver pesadas sanções financeiras e outras medidas, e levar a adicional responsabilização na esfera criminal, é mais eficaz e eficiente atuar no sentido contrário, criando uma cultura ética que coíba e evite as transgressões.

Não se trata de tarefa fácil no Brasil, como demonstram os levantamentos da Transparência Internacional, que colocam o país em posição bastante ruim na escala da corrupção – 72º na última avaliação, bem atrás de países geograficamente próximos, como Uruguai e Chile.

O objetivo básico da lei é inibir atos de corrupção em relação aos agentes e à administração pública, no país e no estrangeiro. Assim está incluída como passível de punição a oferta de vantagens indevidas a agentes públicos, o que, além de propina em dinheiro, inclui pagamento de viagens e outros benefícios pessoais, comuns no Brasil apesar de teoricamente limitados por muitos códigos de conduta ou ética.

Infelizmente nosso excesso de normas e leis, muitas das quais sem sentido, estimula este tipo de comportamento tanto por parte das organizações, como principalmente de muitos fiscais e autoridades incumbidas de verificar a obediência às leis e regulamentos.

O hábito de exigir propina ou de oferecê-la para dar andamento a diversos procedimentos é amplamente difundido no país, e aceito por muitas empresas, até porque é difícil agir estritamente dentro das normas legais e paralegais, em número impossível de conhecer.

Parece valer entre nós o hábito dos legisladores e órgãos de regulamentação de ”estabelecer dificuldades para vender facilidades”. Por exemplo, no final de 2013, em São Paulo, houve o escândalo de corrupção no licenciamento de obras, o chamado Habite-se, envolvendo desde grandes empresas de capital brasileiro e internacional às menores, que não têm como se defender dos fiscais corruptos e, por outro lado, podem ter de pagar severas multas se atrasam a entrega das obras.

Este é apenas um dos itens incluídos na relação de irregularidades previstas na nova Lei, e talvez seja o mais difícil de eliminar, o que só pode ser feito por decisão da direção geral da empresa.

Em muitos casos, ao definir que não se paga qualquer tipo de propina a empresa está abandonando parte do seu mercado, em que ela é exigida para fechar negócios. Isso vale especialmente para fornecedores de governos e suas empresas, embora também ocorra em organizações privadas.

Em alguns casos a empresa paga diretamente a propina em dinheiro vivo, como se tem visto em vários casos recentes. Em outros ela faz o depósito do valor no exterior, fato também confirmado por diversos exemplos.

E ainda se usam as chamadas empresas laranja ou empresas fantasma, e mesmo corretores ou revendedores, que recebem um valor superior ao de seu trabalho para repasse. Embora em qualquer dos casos isso seja feito de forma confidencial, sempre há vazamento da informação, ou pelo menos uma desconfiança sobre o procedimento por parte do colaborador/funcionário.

Se os empregados sabem que a empresa paga propinas, de uma ou de outra forma, Códigos de Ética e de Conduta são insuficientes para gerar um ambiente de correção e muitos também vão tentar sua vantagem pessoal, como é natural.

O Brasil tem muito a ganhar se todos os que trabalham nas organizações empresariais estiverem convencidos de que aquela à qual pertencem age de forma ética e transparente e seguirem a mesma regra, multiplicando essa atitude.

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