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IPTU progressivo não foi criado para Prefeitura de São Paulo arrecadar mais

Especial para o UOL

12/11/2014 06h00

A valorização do preço da terra e dos imóveis acelerou-se nos últimos anos em todas as cidades brasileiras. Houve uma redução da área média privativa dos lançamentos imobiliários, acompanhada de um sistemático aumento do preço do metro quadrado construído.

O valor da terra disparou, impulsionado pela ampliação do crédito imobiliário sem que fosse adotada uma política fundiária eficaz para enfrentar a especulação. Assim, os aluguéis explodiram e aumentaram formas inadequadas de moradias.

Reverter esta irracionalidade é urgente e São Paulo, com o Plano Diretor recentemente aprovado, assumiu a vanguarda do combate à especulação imobiliária no Brasil.

Com muita participação popular e elaboração técnica, o novo Plano Diretor traçou uma perspectiva de futuro para a cidade. Dentre as estratégias definidas para garantir uma melhor qualidade de vida urbana e um aproveitamento adequado da infraestrutura instalada, está o combate à especulação com terrenos e edifícios vazios, subutilizados ou não utilizados.

O prefeito Fernando Haddad acaba de regulamentar a aplicação desses instrumentos. A partir de agora, proprietários notificados que em um ano não apresentarem projetos de edificação ou de utilização passarão a pagar alíquotas progressivas até alcançar 15% do valor venal do imóvel.

O objetivo do instrumento não é arrecadar mais, mas forçar os proprietários a darem função social aos imóveis ociosos e ampliar a oferta de terrenos bem localizados. Com isso, é esperado um impacto significativo nos valores imobiliários.

Muitos proprietários mantêm terrenos sem utilização de olho na valorização futura, que é certa frente à escassez de terra. Outros não agem com má fé mas, por falta de iniciativa e de penalização, não tomam as providências para dar uso aos seus imóveis ou vendê-los, prejudicando toda a cidade.

Além da localização, o que valoriza um imóvel na cidade são os investimentos públicos e privados. O proprietário que retém terrenos se apropria desse esforço coletivo; por isso, deve ser penalizado.

A propriedade da terra, tal como prevista na Constituição, não é absoluta, exigindo respeito à função social. Ou seja, após 1988, a especulação imobiliária, além de ser imoral, é ilegal e deve ser combatida.

O decreto não penaliza qualquer proprietário de imóvel ocioso; apenas os que tenham área superior a 500 metros, que não apresentem razão jurídica que justifique sua inatividade, que não estejam em áreas de proteção ambiental e que estiverem localizados em áreas bem servidas por infraestrutura.

Priorizou-se, inicialmente, a notificação de imóveis contidos nas Zonas Especiais de Interesse Social, destinadas a moradias de baixa renda, nas áreas centrais e ao longo do sistema de transporte coletivo de massa.

A notificação deve ser cuidadosa, precedida de estudos detalhados e de vistorias nos imóveis. Anualmente será publicada a lista de imóveis notificados. A sociedade fiscalizará a aplicação do instrumento e poderá denunciar a existência de novos imóveis em situação irregular.

Combater a especulação imobiliária com imposto progressivo, enfrentando o “tabu” do direito absoluto da propriedade é uma aspiração antiga, mas enfrenta forte resistência.

Em 1963, arquitetos reunidos no Seminário de Habitação e Reforma Urbana lançaram a proposta. Nos anos 1970 e 1980, gestores municipais progressistas, como Jorge Wilheim e Candido Malta Campos Filho, batalharam pela sua criação. Em 1987, uma emenda de iniciativa popular pela Reforma Urbana, subscrita por 300 mil eleitores, pressionou os constituintes a adotarem a medida, que foi incorporada à Constituição de 1988.

O Fórum Nacional da Reforma Urbana articulou, nos anos 1990, a regulamentação desse instrumento, conquistando o Estatuto da Cidade em 2001. O tempo decorrido mostra a força dos patrimonialistas no Congresso Nacional, mas, agora, São Paulo figura como uma das poucas cidades do país a aplicar a lei.

É necessário que a prefeitura tenha agilidade na notificação dos proprietários e que fiquemos atentos para evitar que surjam retrocessos, sempre possíveis no pantanoso terreno das disputas judiciais que envolvem o direito de propriedade.    

 

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