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MP que desobriga presença de farmacêutico em farmácias é atraso

Especial para o UOL

30/11/2014 06h00

Há quase dois meses, entrou em vigor a Lei 13.021/14 que trata das normas de gestão de farmácias e drogarias. Foram 20 anos de trâmite até que fosse aprovada por todos os partidos na Câmara dos Deputados e por unanimidade no Senado. Trata-se de uma conquista importante para a saúde da população.

A presidente Dilma Rousseff sancionou a nova legislação e, concomitantemente, editou a Medida Provisória 653/14, que tem causado confusão no mercado farmacêutico, visto que tem sido divulgada e interpretada de forma equivocada.

A MP estabelece que para as farmácias enquadradas no Supersimples, ou seja, de micro ou pequeno porte, aplica-se o artigo 15 da Lei Federal nº 5.991/73. Segundo tal artigo, na falta de farmacêutico (profissional de saúde formado em curso superior), e comprovada a necessidade de estabelecimento no local, as farmácias poderão dispor de prático ou oficial de farmácia como responsáveis técnicos, desde que inscritos no CRF (Conselho Regional de Farmácia).

Porém, a forma como o poder público mexeu com o núcleo da nova lei – a presença obrigatória de um farmacêutico habilitado em tempo integral— fez com que a maioria dos avanços propostos fosse colocada em xeque. Como pode a presidente determinar numa legislação a obrigatoriedade desse profissional, estabelecendo várias ações que somente o farmacêutico pode praticar, e, na outra, dizer o contrário?

Sou favorável ao tratamento diferenciado para pequenas empresas quando se fala em tributos e exigências burocráticas, mas nunca em questões que garantem a segurança dos usuários de medicamentos.

Opinião 1 - Pedro Eduardo Menegasso

  • A pressão do varejo farmacêutico levou ao debate de propostas absurdas no Senado, como o fim da fiscalização sobre farmácias

    Pedro Eduardo Menegasso, presidente do CRF-SP, sobre debate em torno da Medida Provisória 653/14

Daí, eu pergunto: uma empresa aérea de pequeno porte pode dispor de pilotos formados no nível técnico e com pouca experiência apenas por terem faturamento menor? Óbvio que não.

Não bastasse isso, a pressão do varejo farmacêutico sobre os parlamentares da comissão mista do Senado levou ao debate propostas absurdas, como o fim da fiscalização sobre farmácias e a assistência remota de farmacêuticos, o que caracteriza um retrocesso e um risco incalculável à saúde dos cidadãos brasileiros. 

Pela Lei 13.021, a farmácia foi reconhecida como unidade de prestação de serviços, destinada a prestar assistência farmacêutica e à saúde. Até mesmo vacinas e soros poderão ser aplicados. Quem prestará essa assistência e fará o acompanhamento farmacoterapêutico (também obrigatório) se não houver farmacêutico presente em período integral?     

Seria bom lembrar ao leitor que o comprimido que ele leva à boca, antes de chegar a sua mão foi fabricado, transportado, armazenado, e, por fim, dispensado de forma adequada, observando dezenas de normas, além dos riscos de interação com outros medicamentos.

Se tivesse sido deixado exposto ao sol, à umidade ou utilizado de forma incorreta, entre outras situações, o medicamento não teria o mesmo efeito, podendo trazer prejuízos incalculáveis à saúde. Essa é a principal missão do farmacêutico: garantir a segurança no uso de medicamentos e contribuir para o sucesso da terapêutica.

Há diferenças fundamentais entre farmacêuticos e balconistas. O primeiro fez faculdade, responde para um conselho de ética e pode até perder o seu diploma se alguém for prejudicado. O segundo é treinado para bater metas de vendas.

A pergunta é: estamos dispostos a subordinar a nossa saúde somente a interesses do lucro de um dos setores mais ricos e prósperos hoje no país, o comércio farmacêutico? A resposta é óbvia: não.

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