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Clubes gastaram demais, e bolha do futebol brasileiro estourou em 2014

Especial para o UOL

29/12/2014 06h00

O fim de ano sempre é um período de reflexão e em se tratando de futebol brasileiro, podemos considerar que 2014 foi marcante. O 7X1 para a Alemanha e a própria consolidação do modelo alemão, mostrou que estamos defasados também desportivamente. Já que sempre ficamos para trás em termos de gestão.

O ano da Copa no Brasil trouxe novas arenas e uma dificuldade em transformar o futebol em um negócio rentável. Os clubes estão com despesas cada vez maiores, dívidas crescendo e contraindo empréstimos para poder operar. Já o mercado patrocinador está reticente em investir no futebol. Enfim, um cenário complicado para que nosso futebol evoluísse graças ao megaevento.

Dentro de campo a Copa foi um sucesso. Tivemos grandes jogos, gols incríveis e uma bela final no Maracanã. Fora dele tudo transcorreu de forma tranquila, graças ao elevado número de feriados nas cidades. As falhas em nossa infraestrutura urbana foram reduzidas com a decretação de feriados, um dos maiores erros do Mundial.

Segundo estudo da Fecomercio a economia brasileira deixou de gerar R$ 30 bilhões pela redução substancial do consumo dos brasileiros, devido ao excesso de dias úteis perdidos. De acordo com a análise, perdemos todo o investimento de uma Copa do Mundo em menos de dois meses. Nesse valor não está computado o custo de horas extras e encargos previdenciários adicionais. Portanto, a perda é ainda maior.

A nossa falta de competência para fazer cada cidade funcionar e ao mesmo tempo realizar partidas da Copa foi uma das maiores perdas para o país. Todo o benefício econômico que a Copa gerou, especialmente com o turismo, foi anulado. Pior que isso, sofreu um impacto negativo em função do desaquecimento da economia.

Bom exemplo alemão

E, para piorar os efeitos negativos da Copa, ainda levamos uma surra da Alemanha. O 7x1 que tomamos não fica tão absurdo quando se analisa a evolução do mercado de futebol alemão na última década, especialmente desde que foram escolhidos para receber a Copa de 2006.

Naquele ano, a Bundesliga (primeira divisão da Alemanha) era a quarta força financeira do futebol europeu, atrás de Inglaterra, Espanha e Itália. Um ano após o evento, já era a segunda força do continente. Esee processo de fortalecimento financeiro e esportivo foi fruto de um longo trabalho estratégico realizado pela liga e pela Federação Alemã.

Dois anos antes da Copa, na temporada 2003-2004, os 18 clubes da Bundesliga apresentaram receitas conjuntas de € 1,09 bilhão. Um ano após a competição, na temporada 2006-2007, os clubes já faturavam € 1,46 bilhão, uma evolução de 34%.

Já na temporada 2012-13 os 18 clubes somavam receitas de € 2,17 bilhões, quase o dobro da receita de dez anos antes. Todas as receitas dos times alemães subiram, especialmente por conta do Mundial.

Pelo modelo de regulação da liga, o faturamento cresceu e o endividamento se manteve controlado.  A regulação sobre o orçamento dos clubes, o recolhimento de impostos e o controle no nível de endividamento são uma referência global para o mercado do futebol.

Um aspecto muito interessante do futebol alemão é o equilíbrio entre o crescimento de suas receitas e o controle de suas dívidas.  Nenhum mercado do futebol mundial conseguiu equilibrar essa equação como a Bundesliga.

Opinião - Tabela Bundesliga - Divulgação/Amir Somoggi - Divulgação/Amir Somoggi
Imagem: Divulgação/Amir Somoggi

Quanto mais os clubes alemães cresceram em receitas nos últimos anos - com estádios, marketing e direitos de TV - mais pagaram impostos, obtiveram lucros e mantiveram suas dívidas em queda.

Já o mercado brasileiro de clubes nesse pós-Copa vive uma crise profunda, com as receitas em queda, dívidas elevadíssimas e folhas salariais completamente fora da realidade. O Brasil esperou por anos para que a Copa do Mundo chegasse e, infelizmente, tirando as novas arenas não sentimos esse melhora no ambiente do futebol. O efeito, na verdade, foi o inverso, o que resultou em um ano extremamente complicado.

Os clubes gastaram demais em 2012 e 2013 e o ano de 2014 serviu para mostrar que a bolha do futebol brasileiro estourou.  O ano de 2015 será ainda mais difícil, com nossa economia desaquecida e a falta de credibilidade do mercado do futebol no Brasil. Portanto, temos que utilizar os aprendizados deste difícil ano para que 2015 não seja ainda pior.

Durante todo o ano, os clubes ficaram desesperados para aprovar a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas a votação ficou para o próximo mandato legislativo. Como sempre, querem todas as benesses do refinanciamento, sem as contrapartidas necessárias para uma mudança no atual modelo de gestão.

Que em 2015 esse novo financiamento das dívidas fiscais dos clubes sirva de um real mecanismo para iniciarmos uma mudança na gestão do nosso futebol. Bons exemplos não faltam. O que falta por parte do governo é exigir contrapartidas efetivas em troca do financiamento.

Enquanto isso, na Alemanha os clubes das 1ª e 2ª divisões pagaram nos últimos 10 anos € 6,1 bilhões em impostos e contribuições sociais.

Ih..., mais um gol da Alemanha.

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