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No Brasil, quem não pede 'chorinho' é feito de trouxa

Internauta do UOL

25/01/2015 06h00

Não causa espanto o fato de a nossa cultura ser a única (ou uma das únicas) a associar melhoria no serviço ou no produto adquirido a algo subjetivo como “afeto”. Como bem demonstrado no texto do colunista Gregorio Duvivier, outros países não possuem expressão similar a “capricha”, termo este que traz uma carga de “atenção diferenciada”. Aqui, se formos simpáticos e bons clientes, receberemos um pouco mais. Seja uma dose adicional de nutella no crepe ou um acréscimo da quantidade de uísque no copo.

Por diversas vezes, quando mais novo, tentei arrancar um chorinho dos bartenders gringos. Nunca com sucesso. Garrafa em uma mão, medidor em outra e nenhum sorriso no rosto. Nem no dele e nem no meu - pelo menos não na primeira dose.

Muitos veem o “chorinho” como um ato de generosidade, como se fosse gratuito. Como dizem os gringos com seus medidores de dose: there is no free lunch (não há almoço de graça, em português).

O preço da dose de uísque consta do cardápio. Tantos reais por tantos mililitros de uísque, sendo que todos consumidores pagam o mesmo preço. O proprietário do bar, muito provavelmente, já leva em consideração o “chorinho” ao calcular seus custos, de modo que o preço que ele cobra pela dose de uísque lhe proporciona uma margem de lucro mesmo com a benesse do “capricha”.

Se o chorinho já está precificado, e diluído no preço que todos pagam, a pessoa que vai ao bar e não “chora” por um extra sai perdendo, pois paga por mais do que consome.

Ao invés das pessoas receberem o mesmo produto e serviço por que pagaram a mesma quantia, aquele que não pede um atendimento com “afeto” é feito de trouxa.

Nessa cultura de relações calorosas e pretensas simpatias, nem a mais simples relação de consumo é objetiva e meritocrática (seria se a pessoa que recebesse mais pagasse mais).

Se a compra de uma dose já esta imbuída de subjetividade e caminhos de esperteza, basta potencializar um pouco essa sistemática e teremos funcionários de órgãos públicos vendendo facilidades, diretores de estatais superfaturando contratos para financiar partidos e empresas atoladas até o último grau de tráfico de influência. Infelizmente, já temos tudo isso.

Logicamente, certas atitudes exigem maior flexibilidade moral do que outras – gostar do chorinho não significa ser complacentes com corrupção. São, contudo, expressões, em níveis diferentes, de uma mesma cultura: a da malandragem. 

Assim como os americanos não têm expressão equivalente a “capricha, chefe!”, nós não temos expressão similar a “arm’s lengh”, que, em uma tradução literal, significa “distância/comprimento de um braço”. Esse termo denota o distanciamento de uma pessoa em relação às outras partes de um negócio e em relação ao negócio em si.

Essa atitude fomenta um ambiente objetivo, meritocrático e com consequências justas. Lá, a dose é servida sem afeto, mas todos recebem a mesma quantidade pelo mesmo preço, sem o “capricha, campeão”. 

Sem chorinho ou lamentações correlatas, eu trocaria o jeitinho brasileiro pela distância de um braço. 

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