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Sob a capa da legalidade, economia coloniza a política

Especial para o UOL

29/01/2015 06h00

“É preciso fazer a política com P maiúsculo, a política que é História” (Joaquim Nabuco – 1849-1910)

Pleitear a direção da Câmara dos Deputados pressupõe uma concepção de democracia. Para nós, ela precisa ser representativa sim, desde que com partidos de conteúdo doutrinário e ideológico, mas também participativa e direta. De alta intensidade, portanto. Bem distinta desta que vivemos, meramente eleitoral e tantas vezes formal e banal. É reconhecendo esses problemas e avançando no processo de democratização da sociedade e do poder que superaremos a nefasta negação da política, pano de fundo de “soluções” autoritárias.

“Fortalecer o Parlamento” é voz comum entre nós. O que nem todos dizem é que esse fortalecimento começa pelo reconhecimento das nossas debilidades. Elas são crescentes, no contexto de decomposição política em que nos afogamos, e que a nova etapa da Operação Lava Jato - com investigação sobre figuras públicas com prerrogativa de foro e partidos - irá aprofundar.

Nosso sistema político já deu sinais de exaustão, hegemonizado pelo poder do dinheiro das grandes corporações, que elege quem quiser. A economia coloniza a política, numa inversão de valores sem limites. E tudo sob a capa edulcorada da legalidade: empreiteiras propineiras do clube agora sob acusação doaram nada menos que R$ 484,4 milhões a quase todos os partidos nas eleições de 2014. O poder exitoso (e dissolvente) do dinheiro não faz distinção entre governo e oposição.

O historiador Boris Fausto, em seu afável diário, “O brilho do bronze” (Cosac Naify, 2014), analisando os efeitos das manifestações de junho de 2013 e sua continuidade em diversificadas lutas, indaga: “seria então necessário buscar outras formas organizacionais para aglutinar as expressões coletivas no universo da política? Que formas seriam essas? Seria viável buscá-las ou seria possível recuperar os partidos políticos, em novas bases?”.

Bancada das empreiteiras

O cansaço com a política tradicional e a reação ao mal estar civilizatório eclode em muitos cantos do Brasil e em muitos pontos do planeta, e também nos processos eleitorais, como na Grécia, com a vitória do Syriza.

Iniciamos nova legislatura sob o signo da contradição: o número jamais visto de siglas partidárias aqui representadas (28) não exprime igual número de projetos para o Brasil. O maior eleitorado potencial de nossa história – 142.467.854 eleitora(e)s – não traduziu, no resultado das urnas, a representação da diversidade social brasileira: nós, os eleitos, estamos aqui com os votos de apenas 40,8% deste total, ou, considerando os candidatos não eleitos, cujos votos somaram para as legendas, 62,6%.

Opinião - Chico Alencar - Luis Macedo / Câmara dos Deputados - Luis Macedo / Câmara dos Deputados
Deputado Chico Alencar é candidato à presidência da Câmara pelo PSOL
Imagem: Luis Macedo / Câmara dos Deputados

Reconheçamos que há pelo menos 53 milhões de brasileiro(a)s inscritos no sistema eleitoral formal que não se identificam com qualquer um de nós. Além do mais, o Brasil predominantemente feminino, não branco e jovem tem no seu Parlamento Nacional apenas 10% de mulheres (51), menos de 5% de negros (22) e somente 27 parlamentares com até 30 anos de idade – 7 até 25. Já os indígenas, que são 821.501, originários de 305 etnias, não têm sequer um representante direto na Câmara dos Deputados.

Há algo ainda mais grave: o que vertebra mesmo a representação política no Congresso Nacional são os grandes negócios. De cada 10 deputados eleitos, 7 receberam recursos de ao menos 1 das 10 grandes empresas que mais “investiram” na campanha. Mais do que de partidos, teremos aqui a bancada das empreiteiras (214 deputados de 23 partidos), dos bancos (197, de 16 partidos), dos frigoríficos (162, de 16 partidos), das mineradoras (85, de 19 partidos), do agronegócio, da bala, da bola, da cerveja, da mídia mercantil, do fundamentalismo...

Nossa candidatura busca expressar não os interesses de poderosas corporações, nem tem viés interna corporis, como se disputássemos uma presidência de “Sindicato dos Deputados”. Ela quer dialogar com o corpo social na sua diversidade, nas suas angústias e teimosa esperança – que se constrói na luta – por dignidade, equilíbrio ambiental, segurança para viver, justiça. É uma candidatura para fora, para os que dão sentido à nossa presença aqui.

O Parlamento, para nós, é o espaço do dissenso, do conflito de ideias e projetos, da rigorosa fiscalização do Executivo. E uma usina de formulação de políticas públicas e de construção de seu arcabouço legal. Nosso compromisso tem que ser com a superação da desigualdade social, chaga maior deste país, e com práticas políticas éticas, transparentes e republicanas. Nenhum tema pode estar vedado ao debate!

Acreditamos que muitos parlamentares, pensando mais nos anônimos que os elegeram do que nos poderosos que eventualmente os financiaram, possam ser sensíveis ao resgate de uma representação autônoma face aos demais Poderes. Por uma Câmara dos Deputados progressista, austera, transparente e efetivamente aberta à participação popular!

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