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É ilegal restringir acesso de estudantes ao Fies

Especial para o UOL

14/03/2015 06h00

Os estudantes do ensino superior privado têm tido dificuldade para a inscrição e renovação do financiamento estudantil no programa federal conhecido como Fies. O sistema informatizado do MEC (Ministério da Educação), o SisFies, pelo qual essas operações são realizadas, está “bloqueado” para muitos deles.

Informações veiculadas nos meios de comunicação indicam a causa do problema: o MEC estabeleceu um teto para reajuste de anuidades escolares, em 2015, de 6,41%. Se o aumento superar esse percentual, o sistema “trava”.

Há relatos de que o bloqueio aparece acompanhado da seguinte mensagem: “Essa solicitação contempla variação superior a 6,41%. Para prosseguir, altere o valor do financiamento no campo valor da mensalidade”.

Mas isso não é oficial. Não está escrito onde deveria estar: na lei, que, segundo a lição introdutória ao estudo do Direito (e segundo a nossa Constituição), é o instrumento normativo hábil a criar direitos e obrigações.

A regra não está em lugar nenhum, em nenhum outro instrumento normativo - ainda que impróprio para tanto, mas que, pelo menos, a tornaria pública - como um decreto presidencial ou uma portaria ministerial.

Arriscamos esclarecer o que foi confundido, partindo da premissa de que o motivo do bloqueio é o tal limite ao reajuste da anuidade.

O Fies, instituído pela Lei nº 10.260/2001, destina-se, como o nome diz, à concessão de financiamento a alunos matriculados em cursos superiores não gratuitos. Suas condições favoráveis são bastante atrativas, beneficiando parcela da população cuja renda familiar se, por um lado, ultrapassa o limite previsto para o usufruto de bolsa de estudo integral do Prouni (Programa Universidade Para Todos), por outro, não suporta o pagamento das anuidades.

O Fies, portanto, mitiga um problema social, o acesso ao ensino superior. Facilita a matrícula no setor privado, na falta de vagas em estabelecimentos públicos. E, não se olvide, ajuda a manter financeiramente as instituições privadas.

São passíveis de financiamento até 100% dos “encargos educacionais”, definidos, conforme regulamentação expedida pelo próprio MEC, como “a parcela das mensalidades, semestralidades ou anuidades, fixadas com base na Lei nº 9.870, de 23 de novembro de 1999, paga à instituição de ensino”.

Chegamos, enfim, à legislação específica que trata das anuidades escolares, a Lei no 9.870/1999. Prevê sua fixação com base na anuidade fixada no ano anterior, autorizando, ainda, o acréscimo de “montante proporcional à variação de custos a título de pessoal e de custeio, comprovado mediante apresentação de planilha de custo”. A lei não menciona percentual nem teto para o reajuste.

Sublinhe-se, então: é o valor da anuidade, assim legalmente fixado, que poderá ser financiado pelo Fies. É o que estabelece, inclusive, a regulamentação do MEC.

Por isso, restringir o acesso ao financiamento estudantil sob a justificativa de que instituição de ensino, quando reajustou mensalidades, nos termos da lei, ultrapassou o teto que não está escrito em lugar nenhum, não é legal. Em nenhum sentido.

Merece ressalva, nesse sentido, a decisão liminar de um juiz federal de Rondônia, num dos processos judiciais que começam a aparecer, questionando a matéria.

O magistrado desbloqueia o sistema aos contratos vigentes, sem o teto no reajuste da mensalidade. Porém, não condena a fixação do teto para novos financiamentos. A seu ver, isso não atingiria o direito da instituição de ensino ao reajuste da anuidade, apenas estabeleceria critérios para a admissão no programa.

O raciocínio peca, contudo, num detalhe fundamental. Eis a ressalva merecida. O governo federal pode, sim, defender novos limites aos financiamentos estudantis. Depende, com efeito, de disponibilidade orçamentária.

Entretanto, qualquer alteração nas normas do programa deve seguir os canais do estado de direito. A ninguém é dado, nele, decidir ou impor pontos de vista de lugar privilegiado. Cumpram-se as regras do jogo democrático. Modifiquem-nas, se necessário, observando, contudo, em qualquer caso, o processo legislativo devido.

Isso não foi feito. Pipoquem, então, as ações judiciais.

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