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Ao bloquear aplicativos, Justiça faz usuário pagar por crime alheio

Especial para o UOL

18/03/2015 06h00

Os leitores já devem estar acostumados com notícias sobre polêmicas decisões judiciais que determinam a suspensão do acesso a determinado aplicativo ou site da internet.

Em 2007, houve a primeira medida nesse sentido. Provavelmente todos se recordam do caso da famosa modelo que foi flagrada em momentos íntimos com o seu namorado em uma praia na Espanha.

Naquele caso, o Tribunal de São Paulo determinou o bloqueio do acesso ao site YouTube em todo o território nacional e, dias depois, revogou a própria decisão. 

No ano de 2014, a Justiça do Espírito Santo determinou a retirada do aplicativo Secret das lojas de aplicativos do Google e da Apple, tendo o aplicativo ficado fora do ar por quatro meses.

A solução encontrada foi a sua reformulação técnica, com a opção de chat com outros usuários e a proibição de veiculação de fotografias.

No mês passado, a imprensa noticiou a existência de uma ordem da Justiça do Piauí que determinava a suspensão, em todo o país, do acesso ao aplicativo WhatsApp. Em sequência, o Tribunal do Piauí suspendeu a eficácia da decisão originaria. 

Mas afinal, por que o Poder Judiciário brasileiro está tomando medidas tão drásticas?

A ausência de fronteiras e delimitações territoriais no ambiente virtual acaba sendo um complicador. É inegável que muitos crimes ocorrem por meio de sites e aplicativos, porém, quando os responsáveis por tais ferramentas estão em países do exterior, a investigação se torna mais difícil.

Some-se a isso o fato de que algumas das grandes empresas provedoras de aplicações de internet não mantêm filial no Brasil, desconhecendo por completo a legislação brasileira, situação que impõe entraves ao rápido cumprimento das ordens judiciais.

Por outro lado, não se pode ignorar o ônus imposto a toda sociedade por uma decisão dessa magnitude, uma vez que atinge milhões de usuários que não guardam nenhuma relação com o ilícito.

Não bastasse isso, é necessário ponderar que essas ferramentas acabaram ganhando relevância social, sendo amplamente utilizadas por profissionais liberais, empresas e até mesmo por entidades como o Corpo de Bombeiros e outros serviços de emergência.

A jurisprudência fez sua parte, pacificando o entendimento de que, mesmo sediadas no exterior, empresas que ofertem serviços aos consumidores brasileiros devem arcar com as suas obrigações no território nacional. Não podem buscar apenas os bônus das atividades, precisam suportar o ônus também.

Do ponto de vista legislativo, essa problemática também estaria superada. O artigo 11 do Marco Civil da Internet dispõe que “em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros (...) realixados por provedores de conexão e de aplicações de Internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional, deverão obrigatoriamente ser respeitados a legislação brasileira e os direitos a privacidade (...)”.

Mais adiante, o mesmo artigo expõe que a resolução é válida para “atividades realizadas por pessoa jurídica sediada no exterior, desde que oferte serviços ao público brasileiro (...)”.

Embora a nossa legislação tenha previsto a solução para esse tipo de dilema, o que se observa é uma dificuldade do Poder Judiciário em fazer cumprir suas determinações judiciais.

É mais um desafio que a tecnologia coloca para a sociedade: precisamos refletir se os nossos mecanismos legais são realmente eficazes para obrigar o cumprimento de ordens judiciais na era digital, sem perder de vista princípios basilares como proporcionalidade e a razoabilidade.

Conflitos sempre existirão, a questão é como vamos resolvê-los da forma menos gravosa possível para a sociedade?

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