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Ainda não aceitamos o fato de que o aprendizado ocorre no trabalho

Especial para o UOL

21/03/2015 06h00

De tempos em tempos a área de educação corporativa é atingida por uma bomba. Pode ser um novo tema, um novo método de ensino ou mesmo um novo autor.  O fato é que de maneira inexplicável, tais temas viram assunto quase obrigatório em todas as iniciativas de aprendizagem.

Isso aconteceu com resiliência, inteligência emocional e, mais recentemente, Design Thinking (aplicação de técnicas de designers na gestão).  Vivemos ainda a pressão por aumentarmos as iniciativas de aprendizagem informal e social em nossos programas, sem saber exatamente como e quando fazer isso. E, agora vem essa pressão por mobile learning (aprendizagem móvel).

O motivo é claro. O uso de smartphones e tablets repercute em todo e qualquer segmento do ambiente de negócios: marketing, varejo, supply chain, jurídico etc. Qualquer área que citarmos é hoje impactada pelo crescimento exponencial da quantidade, uso e interferência desses aparelhos em nossas vidas.

 E, como as demais áreas, a educação corporativa tem que pensar rapidamente na melhor maneira de utilizar as oportunidades que esse ambiente traz. O que não é tão simples.

O meu ponto de vista é o seguinte: há uma complicação excessiva porque a abordagem tradicional de educação está cada vez mais distante da vida real. Por isso, estamos usando receitas de forno a gás para fazer comida no microondas.

A educação vem sofrendo com as inúmeras transformações, mas parece que ainda não aceitamos o fato de que o aprendizado ocorre no trabalho, quando as dificuldades são vivenciadas, quando existe alguma necessidade específica. E isso não acontece em um local pré-definido – como na sala de aula ou no computador. O aprendizado é de fato móvel, acontece o tempo todo, a qualquer hora em qualquer lugar.

Atualmente, o mobile learning é exclusivamente relacionado ao uso de smartphones ou tablets. Visão que limita as possibilidades de uso e aplicação da metodologia, porque é pouco efetivo trabalhar com uma teoria que só é aplicável em um meio (ou mídia) específico.

Se assim for, corremos o risco de daqui alguns anos essas tecnologias mudarem e passarem a ter um jeito totalmente diferente de funcionar, e tudo o que foi construído sobre o assunto ir por água abaixo.

Além disso, a ideia de aprendizagem móvel é bem mais antiga do que se imagina. A primeira mídia móvel chama-se livro, e foi desenvolvida em 1455. Foi a partir da invenção de prensa por Gutenberg que o conteúdo e o conhecimento deixaram de ser controlados por um pequeno número de pessoas e passaram para a mão de estudantes. O conhecimento tornou-se móvel.

Aprendizado informal

De lá para cá, muitos anos se passaram e muitas inovações incrementaram a invenção de Gutenberg. Com isso, os professores deveriam ter um novo papel.

Desde esse período, mudamos o meio, mas não conseguimos mudar o "lócus de autoridade" – ou, de uma maneira mais simples, o local do poder do processo de ensino-aprendizagem. Os professores continuam sendo considerados líderes absolutos desse processo.

A ideia do aprendizado formal está tão impregnada que quando fazemos uma pergunta genérica para saber o que uma pessoa aprendeu nos últimos 12 meses, as respostas são relacionadas apenas aos cursos que concluiu nesse período.

Mas, ao aprofundarmos a pergunta, oferecendo uma lista de ações informais de aprendizado que ela pode ter participado, as respostas costumam mudar totalmente.

A maioria dos projetos de aprendizado de um adulto ocorre no ambiente informal (e, portanto, mais adequado ao aprendizado móvel). Em resumo, normalmente aprendemos de maneira informal, mas não contabilizamos isso como aprendizado "de verdade".

Sabe qual o impacto disso para o mobile learning?  Com essa visão dominando a forma de pensarmos sobre aprendizagem e educação, muitos continuam a utilizar tablets e smartphones apenas para o aprendizado formal, como substitutos de uma sala de aula. E, na maioria dos casos, com sucesso relativo.

Os aparelhos móveis são perfeitos para o aprendizado informal. Permitem aprendizado na hora em que precisamos, dão acesso ao maior repositório de conhecimento do mundo e nos conectam com pessoas que podem nos ensinar.

São ferramentas maravilhosas para auxiliar nosso aprendizado, especialmente o informal. Mas para assumirmos esse aprendizado informal como algo válido e importante para a organização, temos que mudar o modo de ver as coisas.

O sucesso do mobile learning depende de uma nova visão de todos os profissionais de educação. Se continuarmos pensando em mobile learning como uma forma de substituir a sala de aula, o sucesso é pouco provável.

Essa onda atual é poderosa, pois é exatamente o smartphone ou o tablet que mais se adapta ao jeito natural do adulto aprender: autodirigido, contextualizado, no tempo e no local em que a necessidade ou intenção existe.

A proposta é parar de controlar cada clique e reconhecer mais o resultado do que o processo, mais o impacto do aprendizado do que o conteúdo em si. Enfim, de considerar aprendizes adultos como seres autônomos, responsáveis e criativos.

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