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Com trotes desumanos, futuros médicos ignoram valores da profissão

Especial para o UOL

24/03/2015 06h00

A CPI das Violações de Direitos Humanos nas Universidades, funcionou como um enorme projeto de pesquisa acadêmica. Apesar de não termos os títulos e os requisitos da academia, fomos apoiados e orientados por professores que deram boas direções de pesquisa, como Marco Akerman, Heloisa Buarque de Almeida, Antonio de Almeida, Maria Ivete Castro Boulos, entre outros mestres.

Embora se fale de trotes – que podem estar associados a cavalos de sangue puro –, foi mostrado que junto ao movimento positivista de Augusto Comte, no fim do século 19, as teorias da eugenia chegaram às faculdades de medicina e aos cursos de direito.

As primeiras constituições do século 20 continham capítulos especiais sobre a eugenia. O movimento eugenista era muito forte na Bahia, no Rio de Janeiro e chegou a São Paulo, servindo como base teórica das instituições de ensino.

A eugenia prega a necessidade de um branqueamento da raça brasileira, prevalecendo apenas os mais aptos.

Essa era a visão de muitos sanitaristas, inclusive do dr. Arnaldo Vieira de Carvalho, fundador da Faculdade de Medicina da USP. Tais ideais tiveram início no século 19 e, por incrível que pareça, permanecem até os dias de hoje.

A base teórica e filosófica de todas as faculdades de medicina é a de que não existe uma classe, mas sim uma raça dominante de pessoas preparadas para dar rumo ao país. Os estudantes decidem quem entra, quem sai ou quem estuda em sua faculdade.

O trote e todas essas práticas têm origem na formação militar, que possui valores como cadeia de comando, hierarquia, pacto de silêncio e formação de famílias. Isso é uma enorme contradição.

Como é que esses “puros” estudantes estimulam o alcoolismo e o consumo desenfreado de drogas em seu cotidiano? Por que esses “espartanos” saudáveis banalizam a violência em seu cotidiano e propõem uma escola de desumanização? Como podem abdicar da emoção e da racionalidade que irão orientar suas práticas  profissionais?

CPI das universidades

Foram 37 sessões e mais de 100 depoimentos, nos quais foram ouvidos alunos, vítimas de violências, professores e especialistas.

Em todas as instituições de ensino investigadas, há casos de abusos e violações de direitos humanos. Nosso relatório final, com 194 páginas, trata dos abusos cometidos no ambiente acadêmico paulista.

São 39 recomendações, entre elas a proposição de projetos de lei. Um deles visa proibir a realização de festas estudantis patrocinadas por vendedores e fabricantes de bebidas alcoólicas. Um outro projeto sugere a criação de um cadastro de antecedentes universitários, no qual constaria sua eventual participação em trotes. O documento também propõe a responsabilização civil, penal e administrativa de Centros Acadêmicos e Associações Atléticas por eventuais violações de direitos humanos em festas ou eventos.

Se a CPI fosse comparada a um livro, diria que escrevemos apenas o índice. Faltam os capítulos e um glossário, para traduzir às pessoas palavras como leilão de bixo e loló.

Descobrimos que a banalização da violência por parte dos estudantes tem como características a vulgarização e diminuição da mulher e dos homossexuais, que são tratados do mesmo jeito que na 2ª Guerra Mundial. Piadas antissemitas também são muito comuns.

Essa pesquisa não deve ser interrompida. Deve haver uma continuidade para que o Brasil saiba qual é a proposta que está sendo feita nas universidades, para sua juventude e a elite dirigente desse país.

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