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Em cadeias comuns, jovens serão entregues ao crime organizado

Especial para o UOL

30/04/2015 06h00

No último mês o Brasil tem sido tomado pelo debate em torno da redução da maioridade penal em função da tramitação, na Câmara dos Deputados, da PEC 171/93 que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. Aprovada na CCJ no último 31 de março, a referida PEC está agora tramitando numa Comissão Especial constituída para esse fim.

De tempos em tempos, vemos esse debate ressurgir estimulado pela superexposição de algum caso emblemático que envolve violência extrema e cujo autor é um adolescente menor de 18 anos. A reiterada repetição casos desse tipo tem estimulado um clamor vingativo na população, que tende a uma opinião favorável à redução da maioridade penal mobilizada pelos sentimentos que se encontram aflorados.

Compreendemos, entretanto, que quaisquer que sejam os fatos ocorridos, alterações legislativas devem ser realizadas tendo em conta a racionalidade e não a emoção diante de um ou outro fato que nos choca.

Os argumentos a favor da redução geralmente se organizam sob três premissas: a de que os jovens de 16 anos podem votar e que, portanto, tem plena consciência dos seus atos, logo já podem ser responsabilizados penalmente; a de que encarcerar adolescentes mais cedo seria a fórmula de resolução da situação da criminalidade no país e, por fim, a de que o país mudou e o jovem não é o mesmo de quarenta anos atrás, sendo assim, as leis precisam acompanhar essas mudanças.

A nosso ver, outras dimensões precisam ser levadas em conta nesse debate. A primeira questão a ser destacada é que, segundo o Unicef, há uma estimava de que apenas 1% dos homicídios registrados no Brasil é cometido por adolescentes menores de 18 anos. Apesar do baixo índice, esse tem sido o principal argumento em defesa da PEC.

Se aprovada, a proposta irá aumentar a população carcerária brasileira. O número de presos no país cresceu 403,5% entre janeiro de 1992 e junho de 2013, enquanto o crescimento total da população brasileira foi de apenas 36% no mesmo período, segundo dados do Ministério da Justiça.

Todos sabem que o Brasil tem um sistema penitenciário falido, superlotado e que não garante a menor perspectiva de ressocialização. Por que então submeter nossos adolescentes a situações tão degradantes?

Em segundo lugar, gostaríamos de por luz no fato de que a segurança pública  é uma preocupação de toda a população há algum tempo  e já passou na frente de preocupações históricas da juventude, tais como educação, trabalho e saúde, para se afirmar como a principal preocupação dos jovens entre 15 a 29 anos.

Conforme a pesquisa Agenda Juventude Brasil," a violência é o problema mais citado entre os que preocupam jovens atualmente (citada por 43%), seguida por emprego/profissão (34%), saúde ( 26%), educação ( 23%) e drogas (18%). Mais da metade dos jovens brasileiros já perdeu uma pessoa próxima, um parente ou amigo, de forma violenta". (SNJ,2013). Ou seja, a violência extrema faz parte da experiência dessa geração de jovens brasileiros e esse fato é aterrorizante.

Em decorrência desse segundo ponto, temos o terceiro aspecto crucial para o debate, que se concentra no fato de que nossos adolescentes e jovens são muito mais vitimados do que promotores da violência.

Segundo o Mapa da Violência 2014, todos os anos cerca de 30 mil jovens entre 15 e 29 anos são assassinados no Brasil. Dentre esses, 77% são negros, 93% são homens e moradores da periferia. É principalmente entre jovens negros que os homicídios têm crescido, nas demais idades há uma curva descendente.

Acreditamos, portanto, que toda e qualquer forma de violência deve ser combatida, mas compreendemos que encarcerar mais cedo nossos jovens para responder à sanha punitiva de alguns não resolve o problema de fundo.

As nossas prisões já alcançaram mais de 715 mil encarcerados, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, mostrando um crescimento exponencial nos últimos 20 anos. Ainda assim, a sensação é a de que o crime aumentou. Diga-se de passagem, apenas 12% dos presos são autores de crimes contra a vida, embora tenhamos índices de homicídios comparáveis a zonas de guerra. Ou seja, prende-se muito e mal no Brasil.

A pergunta que fica é: estamos interessados em disputar o jovem com o crime e recuperá-lo ou apenas queremos incrementar o exército das organizações criminosas com soldados rasos educados dentro das prisões?

Outro mito bastante presente nesse debate diz respeito a uma pretensa impunidade, ao que afirmamos que existe previsão de punição no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) equivalente à infração cometida e em casos graves há penas de privação de liberdade.

Quanto à participação de jovens em ações criminosas, é bom dizer que dos 21 milhões de adolescentes brasileiros, apenas 0,013% estão envolvidos em crimes contra a vida. Então a propaganda alarmante não corresponde aos números.

Assim, está explícito que o foco da discussão no Congresso Nacional e na sociedade precisa ser outro: em vez de endurecer a punição, deve efetivar plenamente o ECA, o Estatuto da Juventude e o Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo).

Em vez de querer uma falsa solução ao problema da segurança pública, precisamos transformar seus paradigmas garantindo efetivamente o direito à vida. No lugar de aprovar leis que retiram direitos, o Congresso tem que atuar como fiscalizador dos direitos integrais de crianças, adolescentes e jovens, pois são seres em desenvolvimento que necessitam do apoio da família, da sociedade e do Estado para cumprirem suas trajetórias de educação, formação psicossocial e física.

A conta é simples, vale mais a pena educar e investir na ressocialização do que entregar de vez os jovens ao crime organizado através das prisões convencionais. Assumamos o compromisso, pelo bem coletivo, de disputar os nossos jovens. A Pátria Mãe não deve abandonar seus filhos!

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